7.7.08
IV
brilhante derme a lágrima
não aguenta o espelho
e funde-se em água
Orlando Tango
AlexanderPlatz
respiram máquina e árvore lado a lado
brisa balsâmica velada de divindade
da plenitude do aquário de mil sóis
é horizontal o crawl voraz da máquina
o barro cego funcional plasticidade
moldando ao labirinto do engenho as paredes
Corpo e alma carne e espírito geme a árvore
Esticada entre polos de verticalidade
Co-princípios que lhe garantem a unidade
navegar é preciso, viver não é preciso
Filipe Elites
Sequência I
à árvore o sangue prova a seiva
compadecida dos lenhos
sinal da casca e
percorre os leitos
desde as raízes
identifica os séculos
elevasse
e busca os ventos com os dedos
perdidos entre os ramos que
só a noite
conhece
Zé Chove
Sequência I
Do fruto fermentado
Só voga de noite o barco mítico
E assombra os peixes de dia
E as algas mortas escrevem a pureza
Das areias brancas
Crescem o relevo
Polpa dos frutos enjoa
A árvore enjoa
Onde chafurda
Toda a gamela
Presta culto ao nada
Transborda lama
Vulcânica
Ração de marrãs
A nobreza do bago temprano
Destila vileza
Ao sol de justiça exposto
E breve seca
Sequência I
Tremer as folhas
Novos corredores iluminados
Na antiga biblioteca
A densa noite aguça a
Verticalidade da multidão
Das árvores
E o silêncio desmentido
Em proverbialidade extracta
Acrescenta opacidade
Aos corredores da biblioteca
São pauta e sulco os sons do dia
E advogam ser dum universo espelho
Mas é a noite que mesmo sem querer
Perfumam
Ah o mistério
Suspiram os troncos
Por um vulto estranho
“O que abarca a vista é uma casa”
Árvores que a-
Prenderam a ver o musgo
Como benesse a perpetuação da lua
Caminho de ascese
Permanência de mistério
Durante o dia
Vibram à mutação
Quadrante dos recortes na luz
Mais e mais negros
Se mais e mais se ajuntam
Até serem noite
E a sombra deixar
De ser mistério
Zé Chove
Sequência I
Onde um trote se aproxima
Da alma desolada como um castelo
Urgência que desperta do húmus
Que deixámos passar entre os pés
Buscando a noite sob
Os seixos do rio
Através do telhado numa jangada
De pedra extasiado
Com os reflexos do sol
Abafa nossos ramos
Auxilia a leveza da nossa cepa
E afoga-nos em teus redemoinhos
Zé Chove
5.7.08
Raios Gama
Todos os vizinhos se queixam
Quando o sino te lambe os tímpanos
Pela matina ainda tens o olhar fixo
No sofá de veludo verde a teus pés
Semi-deitada lá se encontra tua mulher
Aspecto de cartoon a preto e branco
Mais um clarão de raios gama faz transparecer
Por milésimos de segundo as paredes do prédio
E contemplas o esqueleto dos teus filhos na cama
Mário Mosca
Engenheiro Civil
O bem estruturado engenheiro
Cínico olhar exprimia rigor
Sapato oleado de cangalheiro
E colarinho colado ao pescoço
No metro transparecia
Fórmulas de pose calculada
Fulminou-lhe desdenhosa o escapulário
E ele disparou sobre o peito decotado
Filipe Elites
Dreams #1
Meu sonho é morar à Miami
Num casarão branco ao sol
Com relva e piscina no jardim
Janelões e palmeiras em volta
Torres
2.7.08
Anthologia de Textículos #6 - Lautréamont, Saint-Exupéry, Echevarría
Cantos de Maldoror – Conde de Lautréamont
Cidadela - Saint-Exupéry
Da Epistemologia [1ª lição] - Fernando Echevarría
À sombra em que se oculta o repentino
Sem fim do nascimento, aonde estamos,
Embora a sombra esconda que o cumprimos.
E vermos na demora advém destino
De perdermo-nos de onde ainda estamos,
Pensando a sombra como um outro sítio.
É sombra ainda a invenção da hora
Em que se cumpre o sonho da passagem.
De lentamente ver, se erija aragem
O repente sem fim que ver demora.
Afogo
Afogo os dias
em abundância
de bem e de mal
sou cisterna ávida
sem rachas ou gretas
albergo o marasmo
de marés nojentas
e remansos de puras águas
vêm a mim beber iludidos
toda a casta de animais
pois também brilham os rios
onde bóiam cadáveres
1.7.08
Não penetra
Não penetra o pássaro a copa do pinheiro?
Foi Deus quem no-los concedeu
Para que não pecássemos mais
São mel do nosso favo
E fibra da nossa cepa
Perpetuação duma raça
Onde vagueiam vultos
Definem uma sugestão
De paisagem habitada
Cada palavra que constitui o
Texto liberta vultos nessas moradas
Sinónimo de corda de fios…
As pétalas dos meus olhos
Não impeço o seu calor
De dissecar os meus olhos
Esvoaçou desmaiada à volta do teu corpo
Do sol de fim de tarde
E serpentinam de luz a cidade
Mkristu miye niko salama
Shetani we, si nyie
Arrrgh o ar não tem ar.
Reflectido nas poças?
O poço de Babel
Logradouro alegre de ritmos
Em espiral torvelinhos de suspiros
E aromas de roupa lavada
Assados, qualquer coisa podre
E qualquer coisa longínqua
Maresia
Orlando Tango
26.6.08
24 Rosas
eu, um louco por te dar meu coração
Hoje, te mando estas vinte e quatro flores,
recebe-as mulher não digas não
Põe-lhes água fresca numa jarra,
dentro do teu quarto e junto à cama
E se sentires só teu coração,
recorda-te amor que alguém te chama
Põe-lhes água fresca numa jarra,
dentro do teu quarto e junto à cama
Se alguém te perguntar de quem são,
tu respondes são de quem me ama
José Malhoa (o pintor)
23.6.08
Salamina
Entre mim e o homem velho
E ele derrubou outras tantas
Não passa de um fedelho
Puxei-o à razão
Ao gasto e velho
E verguei-lha a vontade
Ainda é verde o fedelho
Orlando Tango
Primos
Já ia todo orgulhoso com as mãos cheias. Os rapazes mais velhos deram conta.
Depois do jantar quando nos reuniamos para conversar gozaram até ao sangue. O meu primo fez-se forte e sorriu como um parvo. Dum canto da sala como um rato eu assistia a tudo com um misto de compaixão e raiva, sem coragem para abrir a boca.
Eu e o meu primo conversávamos até tarde já deitados só uma mesa de cabeceira nos separava e o escuro do quarto. Falávamos de tudo o que as nossas pequenas cabeças albergavam. Confidenciou-me que vivia angustiado com o relacionamento pouco cordial entre o seu pai e a nossa avó. Viviam uma espécie de guerra fria. Não se mordiam ou enxovalhavam, não. Era pior que isso. Os dois juntos geravam um mau clima.
Charles Bukowski
Vesga de Amor
Que os olhos embicavam para o meio
E quem olhasse no momento do beijo
Pareceria meio vesga sim senhor
Beijavam-se furiosamente
Mas sobre o ombro do rapaz
Fixava meus olhos melosamente
Porque nada a satisfaz
Beijavam-se não havia mais ninguém
Saía eu do metro prá cidade
Toquei-lhes os ombros com cumplicidade
E sussurrei esta é a vossa paragem
Mário Mosca
Tá Tá Ok Já Vou
Quem não crê não é bom
Não é bom nem mau
Se o sol se põem atrás do mar
Eu estou atrás de ti
Só no mar o sol se põem
Pra quem tá ao pé do mar
Mas se tás ao pé do rio
O sol no rio se irá deitar?
Só se o sol fosse um navio
E o rio um céu sem sol
É que sol há um só
Nem no céu voga o navio
Mas o rio faz o mar
E meu navio foge do sol
O meu pai não é teu pai
O teu pai não é meu pai
Oh a luz de tê-la por mãe
Só a dá a quem quer
A luz
Só a dá a quem quer
Mas e quem não a tem
Quem é que quer
O que não tem se não viu
O que se lhe dá
Quem dá o que não tem
Quem vê o que não tem
Doi te mais a dor se estás só
Sim ou não
E mais não diz
Vês o pó que cai do céu
Cai de pé sob esta mão que vês
E dá –lhe tom de pó
Um a um cai grão a grão
Sob a mão de pé
Pão e sol
E ar e luz
E mais não quer
Vai mais o cão
Sem pai nem mãe
Com fé em si
Nem pau nem croa
Ao sol ou sob a lua
Lá vai lá vai o zé
Com pó nos pés
Sol e sal e cal
E sob os pés é pó mais pó
Vi a luz sem fim
Vir sobre mim
Sim ou não e mais
Não quer o Deus dos Céus
Sou réu do mar
Pus as mão nas suas mãos
A vi vir a mim
Um som que vem da sé
Dou um nó não dou
Filipe Elites
A Praia
E a certeza de que ali entre a multidão
Se encontra o meu assassino de crianças
E sinto o calor no lado direito do peito
Onde guardo as fotografias do massacre
E franzo os olhos do sol imaginando
Como se parecerá tal demónio
Tantos de cara bonacheirona felizes
Tantos com cara de sono paspalhos
Tantos de modos que me levantam suspeitas
Percorro as várias praias de pontão em pontão
Tudo cheio até ao final do dia
Depois esvaziam-se as praias enchem-se-me as ideias
O sol vai baixo e a maré baixa vai
E o espaço à minha frente enchesse de espaço
Dilui-se a multidão – quem será o assassino?
Vou tão absorto em meus esquemas
E teias de estratagemas que me
deixei apanhar pela noite
longe do carro e da civilização
e de certo o ímpio sabe quem eu sou
centenas de metros entre dunas e o mar
totalmente envolto em escuridão
dos meus medos oiço com clareza o coração
mas o lamento rouco do mar
abafo os passos clandestinos na areia perdidos
e na noite sem lua todas as dunas
são corpos onde resignado me deito
para a fotografia
Paulo Ovo
22.6.08
Lisboa IV
Mais uma ladeira extenuado
quebra-costa ao sol apontado
travessa empinada
escada de sombra
vira rua de sol
onde pastam pombas
com os pulmões de fora
do alto miro Lisboa
Amanso toda a cidade
entre muralhadas colinas
de olhar cristalizado
às telhas no sol reflectido
Lúcio Ferro
Lisboa III
à espera ansioso,
no chão de pedra estalam os meus passos
perdidos
na escura solidão deste beco
perdido em lisboa
neblina fresca esverdeada
agarro mais um cigarro
pareceu me ouvir o teu sussurro
puxo o cabelo para não ser vencido
pelo sono que hoje é inimigo
e vivo este sonho alegre e misterioso
estarei contigo?
Manuel Bisnaga
Lisboa II
Neblina negra, densa e fria.
Molho os lábios de sede,
na língua ressequida.
A dúvida donde estou...
Vagas lentas a morrer.
A luz verde corta o breu.
Passos incertos no asfalto.
Vislumbro desfocados,
antigos pavilhões industriais.
A madrugada não deve tardar.
Nos carris de ferrugem abandonada,
uma carruagem em mau estado.
(sons estranhos de novo)
Estou sozinho.
Dançam melodias na memória
e um desfile de caras conhecidas.
Vou pesando a vida,
numa balança apodrecida.
Um tom laranja no horizonte
desponta pálido atrevido.
Para afastar o sono, assobio,
falta menos pró meu destino.
O rio sereno e adormecido,
vai me encantando,
fluindo de mansinho.
As pernas ganham asas,
no cansaço mecanizadas.
Ao meu lado um tanque gigante.
O sol nascente faz brilhar,
de azul intenso o Tejo.
Um halo róseo pinta a neblina,
ganham contornos as fábricas.
Acordo de súbito dos meus sonhos,
outrora negros e sombrios,
ganham esperanças e sorrisos.
Um carro em sentido contrário,
fulgindo do sol matutino.
Nuvens d'ouro no horizonte
e na alma uma doce paz!
Zé Chove
Lisboa I
Manhã solarenga de inverno
Uma
O frio aguçado separa todas as vértebras dos corpos
Caminhando de queixo levantado meio adormecido
Fantasma soprado no holofote matinal
Entre brumas temblorosas no quintal
Lúcia
16.6.08
Ante-ante-ontem reparámos...
Parabéns aos colaboradores
e mecenas espalhados pelo
mundo inteiro!
Lúcia
6.6.08
Convento dos Capuchos
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...
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Entre 1241-42 os mongóis invadiram a Hungria. Lamento pela Destruição do Reino da Hungria pelos Tártaros Escrito por um clérigo da época. Tu...
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palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...