4.2.10

Lisboa Romântica XII

















Ramiro Olho Vivo

Sede

As grossas raízes mergulharam sedentas nas águas do rio
Umas foram arrastadas pelas torrentes
Outras apodreceram
Algumas derrubaram represas
Cavalgaram os leitos
Construiram cidades nos meandros altaneiros dos rios
E embalaram amores com as suas visões fugazes
O coração perde-se sempre nos redemoinhos
das correntes provocados pelos ramos das árvores
que volteiam submersas
por sobre as copas desses gigantescos barcos
descansam crianças devolvidas aos braços de mães imperatrizes da terra
vultos fibrosos densos de troncos sequiosos de mais água
sede extinta pelos oceanos que incendeiam
com a fúria de viver
em mil frutos exóticos com polpa de lava.

Orlando Tango

3.2.10

Indefinidamente

O que é que nos preocupa?
Estamos preocupados com alguma coisa?
Talvez seja essa a primeira preocupação.
Saber o que nos ocupa o pensamento emergente.
Deverei fixar o objectivo do meu olhar? Ou deverei
Desfocar os olhos e distender o tempo de urgência
Indefinidamente?

André Istmo

Mecânica

Quando um electrodoméstico
Define metade da humanidade...
Não tem cheiro não exige força física
Que lhe dê movimento
Prefiro habitar entre correntes e engrenagens
Sentir o contacto ferrugento das rodas dentadas
Aspirar o aroma do óleo que tinge a pele
Sentir a continuidade da força animal
Desdobrada e multiplicada pelo mecanismo metálico

Tomás Manso

Fundamental

Como é que um olhar pode
Transparecer tanta esperteza
Concomitante com tanta lerdice
Pois lá vai ela abanando a cauda
autocarro fora mascando o resto
do seu cérebro. Uma coisa é verdadeira
o sorriso era falso.

Filipe Elites

Henry David Thoreau

“Corujas-das-torres...Oh sábias bruxas da meia-noite!...um solene canto funerário, as mútuas consolações de amantes suicídas lembrando os tormentos e deleites do amor celestial nas alamedas do inferno.”

“Enquanto os homens acreditarem no infinito, alguns lagos serão tidos como insondáveis.”

Walden

Rio Poio

Frank Black

E os gritos imprimiam um carácter
de adoração e temor implicito
aos predicados, não vos escandalizeis
infiro-o das palavras. E assim
se equivaliam deus e o bronze das
raparigas estrondosamente
expulsos da garganta com a mesma violência.

Mário Mosca

DNÇ

Um som estranho deve soar primeiro
Uma baforada de incerteza
Que desperte a curiosidade
Um ronco vindo de longe
Aveludado e ancestral
que hipnotize rasgando as planícies da memória
e desperte a vontade de “dançar”
dançar enquanto acto essencial
de expressão dum sentimento
que as palavras não saibam dizer
que o cérebro não saiba formular mas
que um frémito irreprimível da vontade
se derrame em calda de movimento interior.

Filipe Elites

Primavera

Revela-se o navio.
Libertas por fim da agonia
Dos cabos respirem
As velas com um silvo.
Do fogo opresso pela vergonha,
Toda a musculatura comprimida
Brota desperta por uma visão de primavera.
Os dedos tremem com um impulso
Irreprimível mas sem objecto.
O peito, profundamente matutino,
Grita como a águia esfomeada.
Os pessegueiros afloram às maçãs do rosto,
E em fonte inesgotável lança-se dos olhos
A alegria-delicadeza com um travo de sangue
Que pela saliva se expande.

Mário Mosca

Salto-Cavalo


O Rio

Uma parede de xisto ressequido
Descansando até ao rio
Tingido de ferro uma calda de óxido milenar
Beijando infinitamente a superfície calma da água
A erva brava dava-nos pelos joelhos. Os nossos
Corpos desenhavam-se angulosos mais escuros que a sombra
Dos salgueiros que húmida nos envolvia
“Oh margens de penumbra perpétua” já cantava o poeta
Dificultam o acesso às águas do lago
Resguardam-se nos espinhos, amuralham-se em raízes,
Encavalitam-se os rochedos, abruptos como dentes arreganhados
E apodrecidos de negros limos, espantam os estranhos com detritos esvoaçantes
Trazidos pelas tumultuosas águas de janeiro,
Troncos esfiampados de longas barbas, silvedo e vestuário gasto das crianças
Afogadas no rio...
Assim que os nossos pés tocam as águas superficiais exaltam-se os girinos e pequenas rãs castanhas. As lamas intactas quebram-se em nuvens polvorosas, turvam-se os pés.
Removemos os galhos em decomposição com os dedos dos pés com se fosse um ossário submerso.
A excitação é para alcançar o sol que nos cega a três braçadas da margem. Perto de Alcafache o rio diverge em múltiplos canais formando negras e impenetráveis ilhas de lama negra e malária mosquiteira.
Rapidamente os fundos se tornam de areia. A brutalidade das torrentes invernais esculpe anualmente o leito do riocom novas fossas e cristas arenosas, é como se lhe fizesse a cama. Cada obstáculo do percurso das águas é sorvado com violência em esteiras divergentes gerando um turbilhão de redemoinhos.
No rio Poio a selvajaria das águas esculpio maravilhosas cisternas perfeitamente cilíndricas na rocha granítica.
Nas imediações das represas os rios alargam e amansam como lagos.
No centro da albufeira em que nos banhanhos emergem três blocos de granito grandes como quartos, moldados pelas águas como o sabão azul das lavadeiras, ao meio-dia escaldam sob o Ângelus impiedoso. Deitados sobre os rochedos tornamo-nos cúmplices da tertúlia dos salgueiros e urzes que se espelham na água cristalina. Na Serra da Estrela existe uma lagoa com as águas rosadas devido às algas que lá se reproduzem. Os corpos debaixo de água tingem-se de cores psicadélicas e venenosas. Na base dum dos blocos de granito está encalhado um tronco monstruoso como um mastro de caravela está recoberto com uma poalha esverdeada onde debicam dezenas de peixes negros. Nas covas dos calhaus onde o vento não toca amontoam-se os alfaiates.

Nicolau Divan

Desert Rose Yelei Yelei

Adagas, sangue, templos esquecidos,
animais assassinos
rastejando as praças abandonadas à
selvajaria do vento frio,
paixão dilacerante quimérica,
por toda uma vida que será eternamente jovem
congelada numa lápide a prata,
masmorras, ecos, alucinação, gemidos lancinantes,
olhos demasiado pintados como chagas negras,
lágrimas quartesmais, jejum, correntes,
velas vertidas sobre a carne indefesa como símbolo de pureza
perdida com a brandura do cera dormente,
escorpiões, noites geladas ou o inferno impiedoso do sol,
impiedade, o zénite e o ocaso num segundo,
caravanas, areias desérticas, possessão,
algemas, escravidão, chave da caveira, trotes fulgurantes,
superfícies cromadas e enferrujadas, antagonismo,
donzelas vagamente latinas e dorsos acobreados,
índia sacerdotiza do ritual esquecido como a brasa
sob a cinza, fogo-sopro-fogo, cactos imponentes, penhascos, agressividade,
desfiladeiros, grutas, os céus como centos de cascaveis revoltos,
o assobio solitário, a fogueira tribal, o banjo, o coiote, o abutre,
impetuosidade, abnegação, paixão exacerbada, sacrifício,
culpa, voltar as costas ao mundo.

Madalena Nova

Se o Coração

Se o coração estremece ao vento sul
A vitalidade do deserto faz vibrar as pálpebras
No ar estrelejam os fogos e os estoiros no ar
Ribombam no coração
E embargam-nos a fala
Tudo se passa no ar
Resplandece a calda de nuvens imemoriais
Descende nas nossas nucas
Desnudas o arrepio sideral
E trota no espaço o trovão
Num segundo o dia rasga a noite
No paladar um travo a azul petróleo
Impressões digitais indeléveis na súbita
memória sequiosa de mudanças arrebatadoras
uohoooooohaaa
enche me de paixão

André Istmo

Walden Mate


1.2.10

Nem Tudo o que Vem à Rede é Peixe

Sonhámos com a ressonância das palavras
O mesmo eco libertado do sino nos vales
Paulo Ovo

Gostei mais do dia da marmota do que do dia do marmoto...
Rui Barbo

Graças a Deus fui abençoado com uma certa dose de estupidez que me impede de ver..
Diniz Giz

Contarei uma história baseada no Do little dos Pixies – jovens numa praia ondas que aparentemente não nos deixam surfar – faz te pequeno...
Carla Corpete


Como deveria ser feito um album
Henrique

Como reages perante o amor/paixão
Manuel Bisnaga

Os copos tilintam
Os corações declinam
Maria Vouga

Janeiro
Diário dum péroco de Aldeia e Walden
Zé Chove

Vaguear no escuro
Na antiga eremida o pó
De escuros braços das árvores
Presos no interior das minas
Nós Sombras
Lúcia

Cromo-dorsos de motociclos que irrompem
do peito de cada homem
o asfalto quente que inebria as nervosas têmporas
Mário Mosca

In the City

Através da cidade esférica
na sedosa limousine
és o fulgor na bracelete metálica
no cetim indiferente nos lábios da lepra

és o balançar da city desperta
és o balançar da desgraça
sem sexo sem cheiro sem identidade
glamour inebriado um miasma
uma convulsão a morte sem dignidade
um perfume despedido pelas ruas da cidade

Filipe Elites

Cuidados

Carinhosamente ou meticulosamente compões o alinhamento e a côr perfeita a dar às frases de forma a não magoar ninguém e a todos convencer. Poderemos viver com menos depois de nos embrenharmos na fartura? E uma vez sentidas todas as costelas do torso terás empenho suficiente para suportar a engorda?

Filipe Elites

As Montanhas

As montanhas vão galgando todo o espaço que a vista alcança. Tingidos de uma neblina que resplandece com os raios solares do final tarde. De memória não sei precisarse o seu tom era cinzento, rosado ou talvez violeta e perto do céu esverdeado azulado. Os montes são docemente arredondados como hematomas roxos na cabeça duma criança. No caminho as aflorações xistosas surgem como os despojos de tesouros abandonados à pressa, com os seus laivos doirados de óxidos ferrosos e a riqueza das formas. Os tojos envolvem estes retábulos como aconchegos de penas verdes frondosos. Não saberia precisar o que mais entusiasma se a segurança das formas laminadas pelas intempéries milenares se a loucura das cores vermelho sangue de boi, laranja, verdes, pretos profundos matizados os tons pelo vinagre ácido e corrosivo do óxido. Oxidare matar em latim.

Orlando Tango

18.1.10

Consternação

Facilmente me encontro perto do choro. Reprimo as lágrimas perante as maiores alegrias e tristezas dos outros, não suporto que me descubram lágrimas nos olhos, só ia piorar. A minha vida não me provoca qualquer emoção.
«Um dia de Outono andámos perdidos horas e horas entre as árvores e montanhas. Junto aos rios a vegetação é mais feroz e os espinhos reclamam pela carne. Os leitos de rios mortos escondem serpentes entre o lodo. Se largamos o rio as escarpas tornam-se abruptas. Aguçadadas como lâminas.
Soube então que também se vertem lágrimas por instinto. Vão caindo à medida que dor aperta.
Tão doente. Pensei que morria ali. Senti-me virado ao contrário com os repelões dos vómitos no caminho para casa. Os olhos brilhantes da febre, a palidez da pele, as costas recurvadas do peso da cabeça devem ter provocado a compaixão das velhas com quem me cruzei junto do cruzeiro.»
Maldita melancolia. Atacas como um vírus aspirando-me as forças.
Não que nunca tivesse pensado na morte. Quem é que nunca pensou?
Mas senti-la? Passa por nós como uma serpente silenciosa.
Olhou-me como se já nos conhecêssemos com uma insistência desusada entre os que andamos a pé pelas calçadas do castelo. Algo nos une. As mesmas fraquezas dão semelhantes tremuras nas pálpebras dos olhos ou tiques nas mãos idênticos, por vezes a mesma cadência cautelosa no respirar. Partilhamos as mesmas revoltas interiores desde sempre e o nosso coração sempre se encavalitou do mesmo lado das ameias. As florestas alinhadas a nossos pés são como exércitos em ordem de batalha.
São estes olhares que me lançam na mágoa mais profunda. "Não te conheço".
As sopas grossas eram o verdadeiro brasão desta casa em que entro.
Cheiro a comida e lenha queimada assim se constroi uma dinastia. São os sinais mais duradouros. Quem não conhece os seus pelo olfato?
De sopa no bandulho e o vinho nos olhos...
Nem é meu hábito mas gritei-lhe “não, não é o tédio. O nosso verdadeiro problema é a preguiça. Uma preguiça básica. Não uma preguiça astuta. Uma preguiça dengosa que molda as pessoas como dois corpos metálicos incandescentes. A busca gulosa da satisfação a dois iliba-nos a consciência. Imagina todo um povo!...” Sentia o corpo tremer de indignação e vergonha pela exaltação. Nunca fui de extremar opiniões. Sempre alimentei uma certa tepidez nas relações. Tentei olhar humildemente para o chão em busca do perdão pela ousadia. E outra vez aquele olhar humilhado e oprimido que me enche os dias de consternação. Cansa-me viver entre os homens.

Filipe Elites

14.1.10

Saca de Batatas

A sombra sentada envolta num halo azul petróleo expele aflitas baforadas de vapor provocando o pingar do tecto da câmara de refrigeração.

Os nossos latidos frenéticos ecoaram diabolicamente na enquinada chapa do hangar.
Tacteámos como cegos o cavername expostos de batalhões de máquinas. O nosso conforto eram mãos no escuro sofregamente entrelaçadas como num acto da amor.

Sonhámos com a ressonância das palavras
O mesmo eco libertado do sino nos vales

Quando saímos à noite juntos somos como dois leões treinados para caçar em equipa.

Sonolento sobre o estirador decido a vida de centenas de pessoas.

Mãos ambiciosas na escuridão

Não suportava mais o cheiro a cebolas na minha mão por isso cortei-a.

Se os olhos denunciam a ansiedade dos encontros ponde o Nevermind no stereo.

Também quem é que nunca bebeu gin duma bota de cano alto?..

...

Oh infantes calvas loiras
Em que percutem melifluamente
Os nodosos, distraídos dedos
De quem sonha com vossos rasgados lábios
Percutem, percutem até perfurar o osso.

29.12.09

Melhores Discos de 2009

1. The xx - The xx
2. Grizzly Bear - Veckatimest
3. Animal Collective - Merriweather Post Pavilion
4. Fever Ray - Fever Ray
5. Bat For Lashes - Two Suns
6. Girls – Album
7. Dirty Projectors - Bitte Orca
8. Micachu and the Shapes - Jewellery
9. Various Artists - Dark Was the Night
10. Yeah Yeah Yeahs - It's Blitz!
11. Real Estate - Real Estate
12. Phoenix - Wolfgang Amadeus Phoenix
13. Bon Iver - Blood Bank EP
14. The Flaming Lips - Embryonic
15. St. Vincent - Actor

16.12.09

Paul Newman at the Actors Studio, New York City, 1955

Para a Tinola

Consagração

Somos gota de água a teus olhos
Em queda reflexa sobre o vinho.
Ruborizado no manancial da tua oblação
O suor mínimo das nossas vidas.

Orlando Tango

Fall and Rise

As papas fermentam no bandulho até provocar azia, o corpo aquece em demasia, a carne repele qualquer agasalho, louca de febre, os pés exploram em vão réstias de frescura na esquadria da cama.

Numa nuvem de vapor de robe em fresca fragrância de chá molhado gotejando das axilas sobre a alcova te reclinas aspirando o ar jovem da manhã num movimento único através do espaço perfume matutino.


Lúcia

Insônia

Separo a carne e como só as cartilagens numa farta malga de alumínio em que se reflecte a solitária vela que conjura nesta não-cozinha todos os espíritos que procuram algum conforto entre as sombras. Mas nunca o encontram - foi vendido. O nível do vinho – a escuridão engarrafada – sussurra o esvaziar das horas. Quando não existe posição para dormir o melhor é ficar acordado...

Zé Chove

Sevilha

Oh leaving again! This city is so succulent! And again we leave the best for the everlasting moment! And I let the tears in my eyes melt with lights outside the bus melted in the night! I felt so sick to ear the Lusitanian language: Boa noite! The experience is over for three days I was the emperor of Sevilha. Te hablo en inglé me siento internazionalle almost roman com tudo o que isso implica.
Senti o conforto do tijolo de burro, enquanto os olhos explodiam de lágrimas fulminados pelo espraiar dosol no lagedo granítico. “I’ve measured this street. Exactly two steps between facades.” E rodeado de africanos e nipónicos e sumérios e nabatenos e ciganos sigo pelo túnel negro que me despejará em Sete Rios. As vermelhas horas cintilam digitais em múltiplos reflexos. Na boca fervilham ainda as papas alioli. O alho é supremo na sua humildade. Festas-fiestas-Sevilha-Sevilha-pagãs e religiosas- one step religious and another pagan, mas verdadeiramente molhado de lágrimas. Poetastro grita-me ela aos ouvidos. O rosto guarnecido com sobrecamadas de base. Base sobre base. E umas pontas de olhos atrevidos redesenhados com vigor sobre um olhar naturalmente tradicional. What the fuck is this? 3 red hearts shinning over a tower in the middle of nowhere? Naturalmente se não tens uma forte imagem diante dos olhos a que se te apegue o coração acabarás por divagar num marasmo de fantasmagorias inconsequente.
Vais caminhando pelo denso entramado do pueblo docemente fulminado em cada praça. Com a cadência dum pachá deixas que todos te ultrapassem nas suas fonas, tão lento que te tornas o reboco das casas. Y mi hermana surripia primaveril essência da banca da l’occitane. O melhor de Sevilha é a primavera, as gordas laranjas boiando garridas, pesadas, nas límpidas e rumorejantes fontes salpicando o ar da sua fragrância rainha ornada de magnólias e príncipes perfeitos matizandonoite e dia num só corpo feminil com solavancos de anca e palmadas na coxa, rodopia a primavera sevilhana do vestido vermelho.
Tapas cerveza, tapas cerveza. Pátios e terraços de branco ferino da giralda a cidade é ferozmente árabe, árabe a perder de vista. Presuntos ao alto, o giz no balcão do rinconcillo!
Por momentos fui o príncipe do islão entre as abóbodas argilosas que encerram a penumbra duma piscina de águas um tanto mornas e um ligeiramente sagradas.
“But she’ll cry if I lie”, ”Oh but your wish is my command”
Oh and once I was the gemstone of the catholic monarchy transpirando devoção recolhido sobre o altar de la capilla real.
Albero calcado sobre o teu peito desnudo de orgulhosas e fúteis palmeiras, sinais da tua riqueza cigana-pura. Tão, tão dramática...
Mi Alma! Cariño Mio!

Tomás Manso

Lua Nova

Esta noite a lua redonda cosida à manta do firmamento faz fugir as nuvens apressadas, temerosas do seu império. A rainha dos astros desvenda-se nua e deixa que a contemplemos, entrega-se-nos e nós na nossa mesquinhez não vemos um corpo mas um furo, um grande óculo na tenda da noite. Um grande óculo que nos promete que uma vez levantado o véu uma brilhante e luminosa realidade nascerá para nós, e por isso choramos ao vê-la porque as nossas paixões esvoaçam de noite e é à noite que nos alimentamos. Temos medo do sorriso opressor do sol que ruge de fastio. A lua é nossa mãe.

Tomás Manso

4.12.09

Traças e Osgas

Oh como compreendo as traças... A fria, gélida luz branca dum lampião ao lado dum casebre branco intermitente à beira da auto-estrada atrai-nos como uma lareira numa tarde de Outono. Expresso Lisboa Sevilha. Meios-tons, tudo se reveste de meios-tons, Aljustrel embebida na nebelina acolhe-nos numa paragem de 20 minutos. Daqui podia partir, fugir das obrigações. Em vez de Sevilha por aqui fico. Meia-hora e lá vou eu rumo a Madrid. Sem poiso, sem ninguém, como a traça. Nova paragem, uma vila perdida no centro da Ibéria e novo golpe, agora rumo a Marselha e assim até ao Cáucaso.
Paragens de vinte minutos podem mudar a vida dum homem. Paragens em estações de serviço desertas, as portas da camionete abertas à geada, abertas como um convite aos estranhos. A caminho, o ronronar dos pneus no alcatrão, crioulo no banco de trás, o americano esquálido à direita na coxia e se alguém ronca com mais paixão: tosses nervosas e pigarreios anónimos. Meios-tons. Iluminação pública rasgando o nevoeiro e as silhouetas das solitárias oliveiras. Mas falava das traças. Confiamos uns nos outros, conforta-nos uma espécie de alívio quente ao sermos recebidos pelas geladas luzes de qualquer erma povoação. Em cada corpo humano pelo menos 36 graus centígrados emanados, assim à cabeça, como uma dádiva involuntária... caminhamos convictos auto-estrada fora, como a traça se acerca da esfera, do globo luminoso, felizes. Dançamos. Nessas casas brancas esculpidas pelo vento à beira da estrada esperam pela nossa leveza de espírito, esperam, as osgas para nos matar.

Zé Chove

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...