23.7.08

Hino ao Irmão Vento

Nem é tanto a luz é é mais o vento
Não é o tempo que afoga é o momento
Nada fundo pranto sob-desalento
Ninguém assiste à queda pára o tempo

Nunca alcança o proposto alcanço
Nenhuma inércia aguenta tal balanço
Não não é a luz que dá o avanço
Nada aponta o vento sem descanço

Não basta um folgo intermitente
No girar do mundo pendente
Nalgo mais constante mais permanente

Necessita o barco do sopro fulgurante
Não é da luz potente o movimento
É do vento é do vento incessante

Orlando Tango

Lisboa Romântica V

Archivo de imagens #127

Sequência X

a noite toma as árvores
com paralelas de luz
a clareira é possuída
a metade observa a metade
já tomada num silêncio emprestado
todo o ser noite

Zé Chove

Substracto I

a natural petrificação do gesto
dilui-se em contacto com o segundo
o suspiro grava a vergastada
no campo de areia virginal
onde se encavam destroços
doutras palavras

Zé Chove

Vertigens

a torre sineira
da desolada aldeia
é casa de aranhas
contemplo os campos celestes
sentado numa ameia
perto duma densa teia
à vertigem que revolve as entranhas
dobro-mesobremimmesmo
e caio desamparado na teia

Ivo Lascivo

22.7.08

Lisboa Romântica #4

Archivo de imagens #126

Memória Descritiva

Tangencío as paredes obliqúo
As perspectivas
Enquadro um segundo ponto de fuga
O horizonte afunilado num vértice
Um monumento de céu

Hiperbolizo a esférica calote
Em densa malha elíptica
E envolvo a ubiquidade do ovo
Em esquizóide mutação de superfície
Matriarcal não me permite

Nascer de novo. Rarefeita
a linha infinita é elusiva
charneira
e cruza um ponto sobre mim
em paralela dimensão que não existe

Zé Chove

Certidões de Registo – 2ª Conservatória

Waste Land – TS Eliot

The Cantos – Ezra Pound

Poema Contínuo – Herberto Helder

Aqueronte

A língua de vento alisa o lago-lençol
Nos limites crispa e baralha em
Espelhos líquidos de mil brilhos
Limalhas flamas sol sereno sol
Em dorso de sardinha

O inferno é uma eterna solidão
cantaste-me olhos nos olhos
nas margens do Arlanzón

Lúcio Ferro

Lisboa Romântica #3

Archivo de imagens #125

Hermetismo

o frigorífico hermëticamente
fechado purifica em gás desolador
inverno cerrado ao incauto
abre as portas do inverno o excesso
estalactite sobre estalactite
de gélidos tupperwares em vácuo
transparente gelo prisão eterna
de flores

Orlando Tango

Aditamento #5

Johnny Flynn - A Larum

Yeasayer's – All Hour Cymbals

The Tough Alliance – A new Chance

Vampire Weekend – Vampire Weekend

Amantes

A noite flui cristalina e rubra no vidro de cristal
E afaga o cabrito-sol
Perseguem-se como dois amantes inconfessados
Brincam tocam-se cedem e concedem
Envolvem-se azeite e água e choram
Assim assim uma vez e outra sem nunca se falarem
Exibem troféus seus anjos
Emprestam e experimentam sobre as mesmas árvores
Mas quem diz que se conhecem?

Madalena Nova

Lisboa Romântica #2

Archivo de imagens #124

Neo-Realismo

túneis percorrendo túneis
a víbora a si própria se engole
sonhei através do grande vidro
sobre a floresta sentado na carpete
verde escura duas garotas de botas
de cano alto
reclinadas nos sofás
cor-de-laranja com aspiradas cabeleiras de piche
e olhar entediado a chuva no vidro leva
a agradecer a vida moderna
o candeeiro de plexiglass alveolado
tremelica lá fora o céu troveja

Filipe Elites

Shot #21

O estúpido galã trepou
Pela baba senil
Da velha soporizada

Brás

Não Desistas

O esplendor dos arbustos enfezados
Vem tudo é glorioso no tempo
Talvez se liquefeito em petróleo
Sob as mornas banhas duma lama
Ou num esquecido fogo fátuo já depois
De soterrado levanta vôo a coruja
É um gaz mas é brilhante
A plena glória do ser

Nicolau Divan

Excessos Exegetas

As colinas coroadas com excesso
choram vinagre coalhado de mosquitos
as crianças atiram moedas
com violência
para afonte e não vão buscá-las
algumas tribus de exegetas
corroídas pela vaidade
as volutas de violinos
e as massagens com ímans
os passeios na Babilónia
saciavam de fome
um espirro
e nem chegámos a preencher
os requerimentos
fugimos

lúcia

Lisboa Romântica #1

Archivo de imagens #123

Meditação Oriental #4

Mastiguei todas as rochas
Servida está a tigela de lava
Não tens de comer as vísceras
Porque choras?
E o prazer se te descoso as feridas antigas?
Engolidas as caravelas
Defecados os brasões
Foram aplanados os montes os vales
São agora alcovas
Olhos perdidos por planícies
Crivadas de bocas sem fundo o rio
Subterrâneo de olhos sem luz
É vomitado em canto negro onde
Se banha de pálpebras descansadas
Um Maldoror
Ou será o Magog?

Lúcio Ferro

Cit.#12 - Arctic Monkeys

Curiosity becomes a heavy load,
Too heavy to hold, too heavy to hold

Arctic Monkeys

Chico...

Chicoteeia
Os seus frutos apodrecem agora no chão
Gritei-lhe
Nada escondas do sol
Então só me via o halo
Excitava a parte gorda dos braços vergastados
Antes de afogá-la

Filipe Elites

10.7.08

Restos

Da janela nuvens dia de pranto

Sob o leito do moribundo
Gemendo na penumbra
O tempo passa vermelho
No relógio digital

Mantos de veludo entapam o salão
Mágoas ensombram o coração
Pesam os maples de tons escuros
Abafam as lágrimas de luto

Rápida passou em queda
Turbina no lago espelho
Pluma negra flutuando
Veloz como uma flecha
Beija o lago suspensa

Rui Barbo

Danças de Salão

Não abriu a boca como criança
Levada ao bloco operatório
A sua carne pura de infante
Exposta
Traça um meticoloso golpe
Divide o músculo em duas margens
E a carne é boca são rosas
Florescem

Lúcia

Emilio Vedova - Tondo ,87

Archivo de imagens £121

9.7.08

Merge

“Universalizar é negar a arte”. Ruy Belo

“A palavra começa a existir com carácter necessário pela ausência e transitoriedade das coisas, isto é, pelo tempo. A palavra, filha do tempo, nasce contra ele, para remediar a sua acção mortal”. José Maria Valverde

“Mas outros, Raça do Fim, limite espiritual da Hora Morta, nem tiveram a coragem da negação e do asilo em si próprios, viveram foi em negação, em descontentamento e em desconsolo.”FP

"Todo o estado de alma é uma paisagem. (…)Há em nós um espaço um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria umdia de sol no nosso espírito.
(…)Temos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma (…) sofre um pouco da paisagem exterior (e vice-versa).
De maneira que a arte que queira representar bem a realidade terá de a dar através duma representação simultânea das duas paisagens (…) terá de dar uma intersecção das duas paisagens".FP

Paisagem – tudo o que forma o mundo exterior ou interior num determinado momento da nossa percepção.
[música, leituras, estudos, calor, doença, barulho]

Nos sonetos podes definir 4 imagens ou passos e desbrochas cada uma à la Baudelaire.

Outros vão escrevendo semi-automaticamente sobre vários temas.
Vão recolhendo e misturando e adulterando textos de outros autores.
Começam a formar vários blocos sedimentares sobre temas de fundo.
Esculpe então uma forma que desde o início estava enterrada dentro dos vários textos iniciais. Como uma mãe nunca vê defeitos no seu filho, entrega-o nas mãos de um tutor amigo (Ezra Pound) para que este o ajude a crescer.

Lúcio Ferro

Sequência X

Desenterrado das areias
Só conheço a noite
E vejos os fogos
Na outra margem do pântano
Livres da multidão dos grãos
Os galhos veneram a lua
A água e a lama lambem-se
Uma à outra em polvorosos lamentos
Entumescendo as raízes
Ao crisol dos ventos gritam os fogos
Carpindo as árvores decompostas no atoleiro
Sem aquecer o funil da noite

de "Ética Manicómio"

Zé Chove

Aos Meus Amores

Toquei o superlativo
Inglório
Ombro porcelânico
Ansiando o lábio

Mário Mosca

8.7.08

Cérebro de Rato

Archivo de imagens #121

Sou Guiado

Sou guiado como um cão pela trela
Forço para fuçar nas lamas e poças
Resvalo na calçada e como a erva
Furiosa besta de imensa força

Com a delicadeza de fêmea esbelta
Dirige-me mão firme com a destreza
Do indiano que guia o elefante
Porta-aviões nas unhas do comandante

Mas fui eu que me entreguei afinal
Farejei a eternidade numa gamela
Podengo abanei a cauda submisso

Ai se agora sou mais animal
E tento alargar o compromisso
“Meu anjo não te me largues a trela”

Lúcia

Está Longe

Está longe e difusa a alegria
Como leões escondidos no matagal
Que a gazela cabisbaixa não divisa
Contentando-se com a erva seca à sua volta

Enchota as moscas com a cauda
Que lhe sugam o sangue nas feridas
E desdiz a vida entre os arbustos
Sem saber que espreita a alegria

Refundido entre a savana
Com esgares de predador
Respirando a tensão do ar

Só quando sentimos perto a garra
Saltamos graciosos com terror
Da alegria da morte santa

Lúcia

Corres

Corres esfuziante
Não tens mais contas a pagar
Saltas em câmara lenta
De cabelo ao vento
Com a alegria da criança
O Verão está a arrebentar
Todas as flores com novos cheiros
Um amor intenso no coração
Todo o céu a brilhar
E ao fundo mar infinito
E a alma livre e límpida
E os sons matinais do mundo
Envolvem-te numa doce sinfonia
Tudo está em ordem
Tudo palpita em harmonia

Marco Íris

Vizinha

Ai querida vizinha
Nas ondas do sol és uma sereia
Mas se te bamboleias
És mais leão marinho
E se à mão tivesse o arpão
Sulcava o teu corpo
Faminto de teu óleo de baleia

Diniz Giz

Ratazanas e Lagartos

Comprazido no acasalar
Rápido das pombas nos beirados
Marchava obcecado com o rastejar dos lagartos
E ratazanas nos arbustos secos no carreiro

Orlando Tango

7.7.08

Vomitorium

Archivo de imagens #120

IV

vidrado na linha-esfera
brilhante derme a lágrima
não aguenta o espelho
e funde-se em água

Orlando Tango

EX

ex-
agero
ex-
agero
ex-
agero

André Istmo

AlexanderPlatz

e sobre as duas como manta desce a noite
respiram máquina e árvore lado a lado
brisa balsâmica velada de divindade
da plenitude do aquário de mil sóis

é horizontal o crawl voraz da máquina
o barro cego funcional plasticidade
moldando ao labirinto do engenho as paredes

Corpo e alma carne e espírito geme a árvore
Esticada entre polos de verticalidade
Co-princípios que lhe garantem a unidade

navegar é preciso, viver não é preciso

Filipe Elites

Sequência I

A carne envolve o tronco
à árvore o sangue prova a seiva
compadecida dos lenhos
sinal da casca e
percorre os leitos
desde as raízes
identifica os séculos
elevasse
e busca os ventos com os dedos
perdidos entre os ramos que
só a noite
conhece

Zé Chove

Sequência I

Discorre à lucidez
Do fruto fermentado

Só voga de noite o barco mítico
E assombra os peixes de dia

E as algas mortas escrevem a pureza
Das areias brancas
Crescem o relevo

Polpa dos frutos enjoa
A árvore enjoa
Onde chafurda
Toda a gamela
Presta culto ao nada
Transborda lama
Vulcânica
Ração de marrãs

A nobreza do bago temprano
Destila vileza
Ao sol de justiça exposto
E breve seca

Sequência I

Perturbou-se o vento fez
Tremer as folhas
Novos corredores iluminados
Na antiga biblioteca

A densa noite aguça a
Verticalidade da multidão
Das árvores

E o silêncio desmentido
Em proverbialidade extracta
Acrescenta opacidade
Aos corredores da biblioteca

São pauta e sulco os sons do dia
E advogam ser dum universo espelho
Mas é a noite que mesmo sem querer
Perfumam

Ah o mistério
Suspiram os troncos
Por um vulto estranho

“O que abarca a vista é uma casa”

Árvores que a-
Prenderam a ver o musgo
Como benesse a perpetuação da lua
Caminho de ascese
Permanência de mistério
Durante o dia

Vibram à mutação
Quadrante dos recortes na luz
Mais e mais negros
Se mais e mais se ajuntam
Até serem noite
E a sombra deixar
De ser mistério

Zé Chove

Sequência I

Onde um trote se aproxima
Da alma desolada como um castelo
Urgência que desperta do húmus

Recorda-te da água
Que deixámos passar entre os pés
Buscando a noite sob
Os seixos do rio

Deixei-me embalar paralítico
Através do telhado numa jangada
De pedra extasiado
Com os reflexos do sol

Vem agora oh noite
Abafa nossos ramos
Auxilia a leveza da nossa cepa
E afoga-nos em teus redemoinhos

Zé Chove

Ann-Margret - Viva Las Vegas

Archivo de imagens #119

5.7.08

Raios Gama

Todos os vizinhos se queixam
Quando o sino te lambe os tímpanos
Pela matina ainda tens o olhar fixo
No sofá de veludo verde a teus pés
Semi-deitada lá se encontra tua mulher
Aspecto de cartoon a preto e branco
Mais um clarão de raios gama faz transparecer
Por milésimos de segundo as paredes do prédio
E contemplas o esqueleto dos teus filhos na cama

Mário Mosca

Engenheiro Civil

O bem estruturado engenheiro
Cínico olhar exprimia rigor
Sapato oleado de cangalheiro
E colarinho colado ao pescoço
No metro transparecia
Fórmulas de pose calculada
Fulminou-lhe desdenhosa o escapulário
E ele disparou sobre o peito decotado

Filipe Elites

Dreams #1

Meu sonho é morar à Miami
Num casarão branco ao sol
Com relva e piscina no jardim
Janelões e palmeiras em volta

Torres

2.7.08

T.S. Eliot

Archivo de imagens #118


Anthologia de Textículos #6 - Lautréamont, Saint-Exupéry, Echevarría

Cantos de Maldoror – Conde de Lautréamont

Ó polvo de olhar de ceda: tu cuja alma é inseparável da minha; tu, o mais belo dos habitantes do globo terrestre e que comandas um serralho de quatrocentas ventosas.

Ó velho oceano de vagas de cristal, (…) mal te vemos, passa um sopro prolongado de tristeza, tal um murmúrio da tua brisa suave, deixando inapagáveis traços na alma profundamente abalada, e invocas a lembrança dos teus amantes, sem que nem sempre nisso reparemos, e os rudes começos do homem, onde ele trava conhecimento com a dor que não mais o abandona. Eu te saúdo, velho oceano!


Cidadela - Saint-Exupéry

Exalavam baforadas mornas e como que empestadas. A ralé emergia destas profundidades esponjosas para se injuriar com uma voz gasta e sem cólera autêntica, à maneira de bolhas flácidas que rebentam regularmente à superfície dos pântanos.


Da Epistemologia [1ª lição] - Fernando Echevarría

Memória é o nome que, na sombra, damos
À sombra em que se oculta o repentino
Sem fim do nascimento, aonde estamos,
Embora a sombra esconda que o cumprimos.

E, de na sombra vermos, demoramos,
E vermos na demora advém destino
De perdermo-nos de onde ainda estamos,
Pensando a sombra como um outro sítio.

E, de um ao outro, haver uma viagem
É sombra ainda a invenção da hora
Em que se cumpre o sonho da passagem.

Mas, passando, é sombra só, embora,
De lentamente ver, se erija aragem
O repente sem fim que ver demora.

Afogo

Afogo os dias
em abundância
de bem e de mal
sou cisterna ávida
sem rachas ou gretas
albergo o marasmo
de marés nojentas
e remansos de puras águas
vêm a mim beber iludidos
toda a casta de animais
pois também brilham os rios
onde bóiam cadáveres

Nicolau Divan

1.7.08

Não penetra

Não penetra o pássaro a copa do pinheiro?

Dos vossos filhos proclamai
Foi Deus quem no-los concedeu
Para que não pecássemos mais
São mel do nosso favo
E fibra da nossa cepa
Perpetuação duma raça

Os textos são como moradas
Onde vagueiam vultos
Definem uma sugestão
De paisagem habitada
Cada palavra que constitui o
Texto liberta vultos nessas moradas

Revulsivo
Sinónimo de corda de fios…

Deixo a sua luz penetrar
As pétalas dos meus olhos
Não impeço o seu calor
De dissecar os meus olhos

Andorinha solta da pálpebra do teu olho
Esvoaçou desmaiada à volta do teu corpo

Deixei-me cegar pelas agulhas
Do sol de fim de tarde

Os pardais roubam tinta ao sol
E serpentinam de luz a cidade

Tobol das dunas a música secreta
Mkristu miye niko salama
Shetani we, si nyie
Arrrgh o ar não tem ar.

Não vêm também o céu os porcos
Reflectido nas poças?

O sol ilumina rectilíneo
O poço de Babel
Logradouro alegre de ritmos
Em espiral torvelinhos de suspiros
E aromas de roupa lavada
Assados, qualquer coisa podre
E qualquer coisa longínqua
Maresia

Não penetra o pássaro a copa do pinheiro

Orlando Tango

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...