20.7.07

Vai um chazinho?

Vai um chazinho com um preto do Bronx
num palacete perdido na Brandoa antiga?

Filipe Elites

Esquilitos pretos

Esquilitos pretos saltavam endiabrados de árvore em árvore,
O ar cheirava a teias de aranha e pó das tocas das raposas,
Corria tresloucado no meio da noite, sem tropeçar nas raízes soltas.

Lúcia

Já morreu. Cantou de mansinho,
e abalou deixando um leve traço,
de carvão.
Levou um pedaço dos seus,
traçou um fósforo nos céus.
o seu amor em estar connosco ao jantar,
na velha casa dos nossos avós,
o cheiro que ficava depois dos seus banhos demorados.

Lúcia

Roeu

Roeu a corda,
Comeu açorda.
Andou à roda,
com fato da moda.

Maria Vouga

Latinhas chocalhando

Latinhas chocalhando na pobre rua,
Os latidos dos gaiatos erguem-se até ao sol.
Num piscar de olhos apareceste como um solo,
Cadenciando as ancas no bater do meu coração.

Manuel Bisnaga

Rock_9

Bom bpom bum bom
Fomos vários de braço dado avenida abaixo,
Partindo todas as montras!
Estamos fartos dos filmes do canal dois nos Sábados à tarde,
Mergulhamos doidos no tejo frio e poluído,
Como os nossos pensamentos revolto.

Cada vez mais fundo,
Piruetas e bandas de tamboretes na 24 de julho num dia de chuva intensa,
Já vejo o Chiado a arder.
Ahhhhhhhhh!
Salta salta pula pula bata bata,
Os velhos com cartazes encafuados ,
na rotunda do Marquês em dia de calor à hora de maior trânsito.
Os polícias divertindo-se no Mac do Colombo bebendo laranjadas.

Gritam pretos no centro do círculo de São Bento,
Portugal é nosso.
Enquanto o segurança de Badajoz os controla através da vídeo-vigilância.
Abraço-me num pico de loucura a todas as árvores do jardim
Constantino - por favor não se vão embora.
Os miúdos do Camões mastigam vidros e o sangue
das suas gengivas descarrega-se no autoclismo do presidente da câmara.

Que raiva raiva!
Quem é que ligou às minhas tias?
Pensei que a festa era só para jovens...
Saiam daqui!

Mete-te em todos os becos e grita urra e chia!
Arrasta os cães pelos pêlos e chuta todos os cagalhotos que encontrares,
E quando acordas hummmmm...

Que cheirinho a sopa de feijão.

Vasco Vides

Tens inocência nos olhos

Tens inocência nos olhos, apesar deste mar de podridão,
Mas já baloiças desamparada...

Os tubarões já te rodeiam.

Lúcia

Entre o ódio

Entre o ódio e a inveja que lhes tinha
Vi com deleite que uma alma querida
A eles se entregava
Não para mim não queria
Mas para ele....
Que alegria

Vasco Vides

Sonhos de jovens engarrafados

Sonhos de jovens engarrafados,
Boiando numa sopa de grelos,
Cegos atrás da música mais doce,
Morrem nas ondas esmagados.

Demasiada paixão, pouca sinceridade,
Ardem desejos num peito sem oxigénio,
Explodem rasgados de dor,
Esquecidos morrem nas avenidas.

Filipe Elites

Torvelinhos de lixo dourado

Torvelinhos de lixo dourado,
Dançando na praça ao pôr do sol,
Vestidos primaveris enfunados de sensualidade,
Perfumes quentes de praias demasiado usadas.

Tardes de esquecimento,
Angústia sem saber porquê,
Perguntas que gostava não tivessem feito.
Desiste de saber,
Come bem e força-te a dormir.

Diniz Giz

19.7.07

Cit.#3 - Jack London

- Ainda aí está, todo inteiro?
- Sim – responderam os seus lábios.
Quebrou-se o último fio. Algures, dentro daquele túmulo de carne, existia ainda a alma de um homem. Emparedada pelo barro vivo, continuava a arder aquela inteligência fogosa que lhe havíamos conhecido. Mas ardia em silêncio e nas trevas. Estava como que separada do corpo. Não tinha corpo. O próprio mundo não existia. Conhecia-se apenas a si mesma, e a vastidão infinita do silêncio e das trevas.

Jack London, O Lobo do Mar

Bateram na Porta

Bateram na porta da esquerda,
Depois na da direita,
assustou-se fora descoberto,
Movimentos engasgados e tensos,
Uma mão em cada maçaneta,
Pensamentos ultra rápidos.

Tentou não fazer barulho a respirar,
Olhou desesperado o quarto minúsculo,
A janela dava para as escadas de serviço,
Deu passos de marcha silenciosa,
Fugiu sem olhar para trás.

Correu como um louco escadaria abaixo,
Sentia o coração saltar no peito,
A noite escondia os degraus,
Espiralou ofegante até ao fim,
Olhou para cima curioso,
através do centro da escadaria,
Morreu com um balázio na testa...

Zé Chove

Your Ideal Love Mate

Esperei

Esperei, esperei e ninguém chegou.
Ouvia os meus passos inquietos ecoarem na sala vazia,
Ardiam-me os olhos com a força do sol que descia lá fora,
Perdi-me a decorar as repetições da “pedras” falsas do soalho industrial.

Diniz Giz

Estatística#3

Quietude saúde ataúde amiúde lúgubre insalubre fúnebre futura mortal gutural sutura sepulcral dura runa surda morda cerúlea coral lua escura fura ninguém te atura.

Madalena Nova

Coruja negra

Coruja negra pias de dor,
Na noite clara de lua cheia.
Entre os ramos tristes e esvoaçantes,
Voas lenta sobre a morte.
Ao longe o mar também chora,
Solitário sem ter a quem,
Milhares de histórias contar.
E o espírito vagueia entre o vento,
Perdido em sonhos de te amar.
Velho velho por dentro,
Cheirando a madeira podre,
Soterrado numa montanha,
De pesos invisíveis,
Porque não existem.

Zé Chove

De noite perseguido

De noite perseguido no escuro pelo marulhar indefinido das avenidas.
Lembranças que passam sem deixar rasto mas sujam o fundo dos ouvidos até à insensibilidade.
Dispersos arrabaldes que fogem à cidade mãe e dormem à noite,
cada vez mais longe, filhos dispersos, até ganharem a independência lá ao longe onde criam as suas próprias histórias.
Do ar vê-se que se escondem nas matas fronteiriças.
Triste da alma arrombo o primeiro chaço que encontro,
decompondo-se com um murmurio surdo debaixo de um velho lampião intermitente.

Zé Chove

Pequena Andorinha

A pequena andorinha morreu,
De cabeça para baixo.
Entre a terra e o céu,
Com uma patinha colada,
Na gosma do ninho dos seus pais,
Do qual tentava fugir.

Madalena Nova

Apesar de tudo nunca se falavam

Apesar de tudo nunca se falavam, numa mistura de respeito pelo adversário, desprezo altivo, provocação e incapacidade de estabelecer pontos de contacto. Assaltavam-se mutuamente com perguntas inconsequentes, como quem lança palha numa fogueira, tentando que a amizade pegasse, mas ardiam rápido deixando tudo preto e poeirento.
Nenhum dos dois compreendia bem o outro. Os encontros fugazes não ajudam as personalidades fortes a adaptarem-se. Por vezes olhavam-se com um sorriso envergonhado. Tentavam rir-se, com pouco jeito, das piadas um do outro porque não queriam submeter-se um ao outro, coisa que um riso verdadeiro provavelmente provocaria. Isto é falsidade?
Talvez se sofressem juntos por um mesmo objectivo se tornassem amigos... mas será que não têm nada em comum? Claro que sim, e no entanto...
Aqueles outros dois dão turras um no outro como se fossem matrecos. À sua volta deixam um ambiente pesado...

Filipe Elites

Vi um Rapaz

Vi um rapaz acenar com um lenço preto e de novo embrenhar-se no casario denso.
Ouvia o muhezin cantar mas não o vi.
A água nas fontes lambia as pedras com um som de sesta.
O sol cortava as sombras negras com precisão contra a terra batida.
O branco das casas cegava-me e o cheiro de vários almoços fazia me andar mais rápido.
Ao sul o mar brilhava de calor.
Sentia o cheiro familiar dos meus próprios pés.
Lembrei-me do teu cheiro.
Quando me penteias depois do almoço com as mãos ainda a cheirar a limão-forte.
O cheiro do teu vestido guardado no armário...

Zé Chove

Iam os Dois

Iam os dois rua a baixo relembrando histórias antigas,
Vividas no tempo do colégio.
O gelo da noite perto do rio negro,
expelia fumo através das suas bocas.
Andavam acelerados ao longo das ruas centenárias,
O vento zumbia nas catenárias,
A água fluía nos carris dos eléctricos.
Chuvinha fresca amiudava os seus sorrisos.
Comeram qualquer coisa quente nos ambulantes,
E falaram do futuro.
Os anos que passaram sem se falar, exigiram um acerto no vocabulário da amizade.
As escolhas feitas a sós sem se consultarem um ao outro,
Revelam agora com mais precisão o carácter de cada um.
- vês o que o tempo me fez?
- vês o que eu fiz ao meu tempo?
- como é que isso não me espanta nada?
- ambos perseguimos a felicidade.
Dantes não havia tantos silêncios. De certo que os havia, mas passado tanto tempo sem nos vermos não seria de esperar que tivéssemos milhares de coisas para contar um ao outro?
E no entanto olho para ti em silêncio e isso me basta porque vejo que continuas igual.~

Diniz Giz

Subiu e desceu

Subiu e desceu as escadas levemente,
Agitado sem saber bem o que procurava.
Coçou a cabeça tentando ter alguma ideia,
De cotovelo apoiado no corrimão fitou fixamente,
A luz na porta do seu quarto nas águas furtada.

Lá de baixo vinha o cheiro dos sofás velhos,
E o bichanar da t.v. notívaga de sonos,
Suspirou profundamente antes de decidir sair.
“Talvez lá fora haja alguma coisa para fazer”
Quem puxa é o corpo, embrutecido pelo tédio.

Puxou com força o cabelo para trás,
Deixou o frio lamber o seu nariz,
De mãos nos bolsos cantarolou até ao bar,
Mais próximo. De novo o calor,
Ar gasto e álcool no sangue.

Saiu de ouvidos zumbindo a metal,
Os últimos carros abandonaram o parque acimentado,
Algo no coração ainda não se sentia satisfeito.
Deitou-se na relva e chorou ardendo em desejos,
De não sei quê que lhe dilacerou o peito.

Mário Mosca

Continuam as Festas

Continuam as festas lá em baixo na aldeia,
olho, completamente parado, a alegria lá no vale,
aqui do alto parece um inferno de fogo e sombras.

Oiço os cantares através dos urzais,
o crepitar do fogo e o som de segredos suspirados no escuro,
trovas do tempo dos reis instrumentos ancestrais.

Choram de medos e tradições.

Cheiro de comidas simples, envoltos no húmido das serranias.
Ninguém me é estranho conheço-os todos,
até os de fora que vêm em busca de amores.

Sou o único que ficou em casa,
até as crianças dançam à volta da fogueira.

Sinto o peito vibrar de emoções antigas,
o homem velho quer ir dançar,
bato com o punho violentamente na mesa,
fui me deitar.


Zé Chove

Oiço Clamores

Oiço clamores ecoando através dos galhos suspirantes da floresta,
o medo cresce com a neblina espectral,
o cheiro da manta morta e os gemidos da madeira podre.

Zé Chove

Final de Tarde em Caneças

Doce trinar de fontes seculares,
Água frescas de musgo enxuto.
Estão os três a conspirar,
No inverno pátio frio.

Velhos de pedra de matar,
Cantar de rouxinóis,
Chorando amores passados.

Na noite escura,
Caminhando em tristes fados,
Futuros brancos lívidos,
Presentes negros não vividos,
E uma dor mais intensa.

a lua desce atrás das árvores,
não queremos mais o sol.

Lúcia

Guitarra Noturna

Guitarra noturna,
Velha sozinha,
Caminha no escuro,
Olha o céu cinzento,
Afoga-se de melancolos,
Sonhos do passado lento.

Miguel

Shaman

Esfolga o comboio

Esfolga o comboio, corre vai partir,
Agarra a barra salta para a vida.
O sol brilha e escalda no vagão,
Adormeces na palha mofa.

Acorda para a vida os prados estão lá fora,
Corre até te cansares e bebe em todas as fontes.
Sente os cheiros livres da terra,
Afaga o capim fofo e loiro.

Deixa-te abrasar pelo sol de verão,
Tira a camisa e banha-te nos rios.
Come as frutas selvagens,
Morde-as com a boca toda.

E grita de loucura,
As melodias que te rasgam o coração.

Paulo Ovo

Revolução Cultural

A lua desfocada atrás das nuvens,
A madeira gemia nos trastes velhos,
Dormia a casa num sonho de Kazan.
Um rosto de parvo fitava-me no reflexo do vidro,
Ao lado das árvores negras lá fora,
Mais ao fundo a porta do meu quarto.
Não sei do amanhecer,
Agora sigo embalado,
Em cantigas do maio.

Filipe Elites

25 de Abril

Meu amigo vem dai
Vamos juntos gritar
Loucos de alegria
De braço dado a cantar

Filipe Elites

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...