9.6.12

Guiar Noite Dentro


dormência na planura aveludada do alcatrão
luzes rasgadas no funil em contramão
asfixia veloz morte do trânsito morte do rádio
Substituição das peças uma nova vida

Becos a fora entre galpões de estrepitosa solidão
acendesse a luz néon no débil coração
os passos vão descalços no hall a criança
abandonada pisa descalça no chão

E quando fala o sono a razão um clarão
entrecortado surge em miragens
assume a dor a capacidade de atravessar

os corpos sem deixar marcas sem
sangrar. O embate final é nunca chegar
e a estrada é uma constante tensão

Lá Vem a Filha Dela


Olha olha lá vem a filha dela
curtindo o som de lata na mão
ela samba através da laje bela
e em suas ancas fixo a atenção

Florida morena do cabelo molhado
por entre o fumo do churrasco
numa paisagem de morros e laje
dança, dança até ser tarde

e quando a noite cair entre a favela e o mar
só lingüiça de frango na brasa a chiar
aproxima-te desde barril de brahma

sussurra ao ouvido que és minha dama
arrasta-me graciosa meu corpo em chama
e deita-me com carinho na porta de casa

Mamão Italiano


Eu venho de italia do meio de uma sociedade nojenta em que os ricos esmagam quanto podem e chego aqui ao brasil na primeira noite desço a cozinha e pego um mamão com quase dois quilos e corto-lhe as pontas já meio podres, depois corto uma tiras de casca e mordo diretamente a polpa do fruto até às sementes sorvo o suco brando enjoado como uma flatulência açucarada com adoçante, inclino a cabeça sobre a lixeira para que as gotas que me escorrem pelo queixo não pinguem no chão. Ponho me a imaginar se algum animal exótico terá roçado na casca do mamão, alguma serpente ou batráquio venenoso. 

2.6.12

Cachoeira do Poção


Amor Maternal


Deixa-me viver num recanto das tuas costas
habitar para sempre no refego das tuas coxas
quero sentir sempre o teu maternal cheiro
andar nutrido no alimento do teu beijo

Que o teu calor seja o meu conforto
e o teu cabelo o meu esconderijo
meus pensamentos todo o dia para ti dirijo
é sempre o final do meu caminho o teu amor

Sinto me dançar entre leite e farinha láctea
Rodopio em teu aroma morno
Caio inanimado na rede de teus lábios

No teu colo sou apenas criança
Sinto que o teu ventre ao meu ritmo balança
Envolve-me e afoga-me no teu sono

Sesta na Favela


Eu moro lá no alto da babilônia
entre ruas estreitas onde se perde a memória
os sons dos vizinhos cada vez mais próximos
os conhecidos vão entrando sem cerimónia

Tanto aperto ameaça meu pudor
zonzo do ziguezaguear das ladeiras
o almoço, o sol da tarde, afogam, torpor
o som da cidade ao longe e o zumzum das varejeiras

ando em pé mas durmo já esta sesta
cada passo um peso nas pálpebras que se fecham
cada passo mais alto e do sol próximo

afasto a paisagem e bebo sôfrego a sombra
da entrada de casa um sofá de favela
estirado entre morros de preguiça bela

Passeio em Lisboa ou no Rio


Hoje nasceu um sol esplendoroso em todo o Rio de Janeiro acompanhado de uma brisa fresca quase fria que me faz lembrar os mais belos dias de Lisboa onde tudo cega de tanta luz, andar na sombra regela e andar no sol dá calor e todo o ar é tão límpido que se destinguem perfeitamente os detalhes de Almada ou Niteroi. Nesses dias os pássaros gritam com mais força e os cheiros de almoço dançam com os de roupa lavada. Pena que sempre tenha de ir trabalhar e não possa ir passear para o Chiado ou talvez para a Cinelândia, perder-me entre os turistas, os vagabundos e os sortudos bem vestidos que trabalham no Centro ou na Baixa.

Burros


A alma amanssa-se em brisas que não se ouvem
sussurras Tu em brando fogo oh Santo Espírito
aos nossos empedernidos rochedos frios
que alguns chamam coração corações de

talho de carne igual às outras bestas do mercado
quem mo dera ter alado um sopro forte
quem me dera ser um pouco menos barro
e mais do sopro ardente incriado ser lingua de fogo

e dócil como um burro bem tratado aos pés do dono
um golfo de rosadas cítaras adelgaçando um mantra
pegando fogo. Um monumento moldado em todas as castas

na praça central a sibila dançava em torno do burro
com tiaras, sininhos, lantejolas, pernas, ventres, véus
rodopios, rosfolega passo a passo e puxa o cabresto

árvores


Em família escondem a herança
que há-de ser mais forte que vós
em sombra e frescura sob as copas
adornada de chilreios de criança

Anéis de força concêntrica
teu corpo vestido de casca grosseira
refletem os sóis por dentro
vertem a dor da chuva por fora

Sussurram arfam enchem-se de vento
sugam entumescem embebedam-se de água
crestam estalam incendeiam-se no sol

mordem estrafegam subjugam as pedras e a terra
violentam as pequenas brisas lavram os penhascos
rebentam os caminhos e os cercados

invadem invadem os campos e construções abandonados

As Meninas dos Seus Olhos


As meninas dos seus olhos
espreitavam como crianças
na entrada de uma tenda
de pálpebras pesadas de pregas
como recebendo um desconhecido
inquirindo com o orgulho sobranceiro
da filha do grande chefe

Praia Vermelha


Praia Vermelha uma chunha de mar
Entre os morros estreito
o céu mais dramático desenho
e lá ao longe dispersas ilhas preguiçosas
na costa uma aura militar
esmagada entre o granito
que refletiu todas as gerações
em dias de sol após noites de chuva
e que a neblina da mata atlântica
depois esqueceu

São ideias sem conexão
mas suscitadas pelo mesmo paredão granítico
um império imponente das selvas erigido
e a moral que como as águas do alto se despenha
da mesma pedra a estátua e a mó se lavram
na mesma penha uns o seu topo alcançam
outros lá do alto se despistam
a mesma pedra no oceano se afunda
e afunda o peito entre as nuvens
e o sol de frente olha
do âmago da terra é filho crescido
O pão de açúcar acompanha lá do alto
as caravelas compadecido
dum povo que avança estarrecido
que no novo mundo a pisar se atreve

31.5.12

Quem dera ter tido um amor


Não tenho nenhuma paixão de longa data
que não vejo à décadas por que os nossos passos
se separaram mergulhando na melancolia
de doces memórias a reviver um dia

não conheci a garota na força da juventude
abraçando-a numa prisão de loucura e músculos
nem chorei depois sem forças a nossa partida
porque não conheci, moça, mulher ou rapariga

Mas abate-se sobre mim nos fins de tarde
quando a solidão aperta nos prados verdes pardos
uma espécie de triste vontade que me afunda

de ter tido no passado um amor por quem pudesse chorar
alguém a quem quisesesse de uma forma tão profunda
que me levasse a implorar, implorar, implorar

Brasil Fora


A estrada vai cruzando a mata por entre montanhas
e vão se sucedendo as aldeias todas pobres de cores garridas
com seus letreiros flashes de móteis e igrejas evangélicas
as gentes sempre iguais derreadas transportando secretas cargas

Cachaça e Tim Maia


Desce até à mureta da Urca vem afogar
as mágoas nas águas paradas da Guanabara
entre as barcas e os reflexos e o lixo e as algas
desce depressão afogada em cachaça e Tim Maia

vem chorar sozinho o final do Carnaval
vem chorar afinal mais um vice conquistado pelo Vasco
vem chorar sem consolo só chorar, chorar, chorar
e em lágrimas tanto desgosto afogar

É mais funda a tristeza de quem está triste
e convive no meio de tanta alegria
Carioca é um povo que assiste todo dia

à profunda turbação da alma que desiste
de ascender ao patamar da felicidade maior
se afoga sem amigos, sem paz e sem amor

Caganeira no duche


ao terminar o duche, já tinha a mão na torneira
tive vontade de mandar um peido
naquele segundo de dilatação do esfíncter
sem fazer qualquer tipo de força para que o ar saísse
senti algo que aflorava
não tentei prender, uma caganeira líquida respingou todo o box
deixei a água fluir arrastando pedaços de antigos jantares
fui limpando a superfície usando os pés para empurrar a água cagada
enquanto lavava de novo o rabo com um sabão branco.

Tempestades


Os espasmos do vento na cara da imponente escarpa
escapam-se pelas paredes, varrem os valados
e caem pelos pelos abismos em vertigens loucas
e ganham nova vida nas florestas de folhas

rasantes rasgam a superfície dos lagos
espalhando convulsas palmas e uivos bravos
sempre que as rugosidades vibram
ou os planos se abrem em rasgos largos

e os afunilamentos se desengolfam brevemente
em amplos espaços de céus dormentes
e os sufocos expiram agudos se tornam graves

e fazem ribombar nas frentes mornas
que sobem fétidas das tristes cidades
inclementes e luminosas tempestades

Desempregado


Uma espargata de dor bem esticada
Ao centro até que os côcos vertam
O leite macerado de uma vida inteira
Atrás duma escrivaninha lavrando

Os desígnios dum tal mestre de lavores
Ufano de cabeleira de chumbo sobre os teus
Ombros carrega o fardo de olhos postos
Na recompensa um fardo de palha

Empina-te ao sol de Verão  e malha
O brio o brasão a honra da familia
Um carimbo na testa o orgulho o frontão

A ruína adivinha-se pelo cheiro a milhas
E milhas num sobretudo bem sovado
Pelos ermos da cidade ofega o desempregado 

Calmaria

O mar brandindo sinas quase sem voz
Nos raios e trovões da noite escura
Traça um raio de lés a lés na carne
Um trago sequioso de água salgada
É a certeza de um caminho já provado
De estrela em estrela pelo abismo dado
Em que se perdemos a certeza
Foi dos olhos cegos pelo arpão da besta
Um par de cornos sentado na proa
O passadiço bem lustrado de joelhos escova
O cabrão como quem maneja o leme
Dorme nos vapores do brandy
E sente o peso da peste hasteada
Nos mares nauseabundos da calmaria

Salmo 4


Sangrem os olhos por trás dos vidros
e o vermelho nos vidros é o soco que fica depois
do acidente como um caco velho
gingando na ferrugenta cicatriz
o sol dura um segundo e um grito
rasga toda a pele ano após ano
o embate dos cinquenta deixa-nos sem fôlego
uma vida toda para isto
morremos tantas vezes
sempre com o sobressalto da primeira vez
a morte traz-nos jovens
mas o nosso corpo reclama pelo conforto da putrefação
Que a luz nos atravesse cheia de graça
Senhor leva-nos jovens

Salmo


Oh bela cruz que cravas na terra
E me gravas nos sinos
Hás-de-me lançar nas eras
Por altas serras rasando os pinos
E arrastarei até ti num beijo
Os loucos, uma ou outra espada
Umas crianças vestidas de branco
Pedaços de reis e mil velhas de joelhos
Tudo se queime na tua presença
Como mirra fragrante

não +e


Não é assim também a natureza?
Terra, terra, paus, raízes ervas pedras
Muito de raro uma flor no meio da água
Ou no céu de tanto sufoco talvez uma estrela
Bem definida no meio do nada
Que tudo a si atrai como algo que podemos chamar
Como no meio da palha uma palavra

Salmo

Roturei a terra com o rosto retesado
como cangalho o meu corpo
Seco ossudo burro terra pó e sol eu sou
Lavro dia a dia os campos do Senhor

24.5.12

Maranhos


Lusaglória


Passou já a nossa hora
e o sétimo dia dos nossos feitos
prolongou-se enfim pelos séculos
e durante o nosso sono
roubaram de nós o mar profundo

e nem assim despertou em nós a angústia
de tão moribundos
fedem a morto as palavras dos antepassados
e passamos a saudade nos sovacos
e ri das nossas quinas a europa sarcástica

Brás

Oh Chelas! Oh Chelas!


Esquecida num canto de Lisboa
és o bairro da igualdade
das vistas do Tejo nos altos dos prédios
a tua espinha de feira
um relógio semanal
uma fartura
ouvem-se os tiros, ouvem-se os negros
um romeno e um baiano
tacanhas avenidas que tentam separar a gente
tuas escolas tristes entre baldios
terra do mundo do continente africano,
europeu e americano,
terra de velhos fadistas
cruzam-te agora os calções hipoppers
terra da rtp do rock in rio e dos ciganos
canaviais ao vento um pobre relvado
terra modernista de células e bairros em letras
um céu de gaivotas imenso
cafés da gente feia e dos arranha céus compridos
das igrejas evangélicas e dos galpões vazios
uma pedrada na vidraça um barracão caído
filha de retornados
em fato de treino encarnado
velhas de sacos
conversas de velhos com velhos
e jovens conversando com drogas leves
cortiço antigo sem filhos
um dia correu em ti um rio e um carreiro de monges beneditinos
escarpas que dás á cidade esboroadas à vista do aeroporto
cidade dentro da cidade altaneira e sombria
teus versos de miséria o governo silencia
tua vontade de chorar o povo desanuvia

O Poder da Terra


ninguém menciona o poder da terra
a arte da vida devidamente enterrada
os rasgos de bocas sequiosas que brotam
as cores ocres prenhas de vontade

vomitam lentamente todo um carvalho
cagam em direção aos céus grossos sobreiros
arrotam penedos, mijam minério
e descansam brutas de costas ao sol de inverno

devoram mares, rios, grutas de gelo e fogo
fecham os olhos aos animais afundam
o sol no horizonte com desprezo

a terra transpira vida morta
morde a chuva ...

Vera Cruz


São ideias sem conexão
mas suscitadas pelo mesmo paredão granítico
um império imponente das selvas erigido
e a moral que como as águas do alto se despenha
da mesma pedra a estátua e a mó se lavram
na mesma penha uns o seu topo alcançam
outros lá do alto se despistam
a mesma pedra no oceano se afunda
e afunda o peito entre as nuvens
e o sol de frente olha
do âmago da terra é filho crescido
O pão de açúcar acompanha lá do alto
as caravelas compadecido
dum povo que avança estarrecido
que no novo mundo a pisar se atreve

Orlando Tango

Lutos e Sungas Negras


Em sinal de respeito pelos fascistas camisas negras, por todo o povo cigano e ainda pelas viúvas enlutadas só uso sunga negra e recuso-me a discutir com alguém outra qualquer possibilidade.

Da preguiça à Macumba


No fundo eu sou um grande preguiçoso e só faço o que me dá prazer. Felizmente algumas coisas que me dão prazer são vistas pela sociedade como sendo trabalho. E por essa conjunção de pontos de vistas em relação ao leque das ações humanas, públicas e pessoais, e respectiva valoração monetária, ainda não morri de fome e posso encher a cara nalgumas sextas-feiras do mês.
Agora não venham é com merdas de burocracias, porque isso é obrigar-me a levantar o cu para coisas que eu dificilmente compreendo para que é que servem e para rituais enigmáticos já disse que não dou um tusto para burocracias, maçonarias ou macumbas feiticeiras vão se todos cagar dum precipício acima.

Vidas de Merda


A minha vida são estas águas. Sentia-me como um cagalhão de pois de darem a descarga, turbilhão e um sistema branco, duro e frio que se regozija com o meu afogamento. Ficaram só com o meu cheiro que é como quem diz a minha identidade e recambiaram-me para outro setor na esperança de nunca mais me voltar a ver. Por isso admiro a boa e velha latrina, a terra abraça a merda mas constrói algo com ela. Eu trato os outros como merdas mas abraço-os assumo o seu cheiro e segredo-lhes ao ouvido : “juntos venceremos”.
Em casa do meu avô havia uma torneira de descarga sanitária que dizia qiluvio. Em criança eu partia a cabeça tentando desvendar o significado, pensava porque não seria quiluvio, o que queria dizer, com os anos deslindei a possibilidade de ser diluvio ao rodar a torneira e ainda hoje penso na maldita palavra, penso também no diluvio vetero testamentário quando a ira divina puxou a descarga, talvez esteja próximo uma nova limpeza da face do planeta. Vários indícios históricos e geográficos atestam que houve um dilúvio à escala planetária. Recentemente um grupo de cientistas defendeu que os gases dos dinossauros contribuiram para aquecimento global. Penso que diluvio tambem contribuiu para uma renovação do ar.
Penso que vi aqui no Rio de Janeiro uma freira que costumava ir à Missa em São João de Brito. É baixinha e duma velhice louçã que as pessoas de Deus são conservadas numa espécie de juventude sorridente, lembro-me que ela costumava fazer a leitura antes da proclamação do evangelho e muitas vezes fazia a leitura da oração dos fiéis e que na altura de pedir pelos rapazes e pelas raparigas para que encontrassem a suas vocações, ela substituia a palavra raparigas por meninas porque raparigas no brasil se refere a uma mulher prostituta. Lá ia ela na Lapa perto da igreja do Carmo. Sempre sorridente atrás dos seus óculos redondos.
Se o tempo vai passando cada vez mais rápido, entreguemo-nos ao tédioe ao desleixo que hão de tornar a nossa vida mais longa.

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...