9.7.07

Dona de Casa

Na sua casinha picuinhas,
vai rasgando a carcaça,
sacode as migalhinhas,
ligada a tv na tele-casa.

Naprons vermelhos imaculados,
rendas brancas nas janelas,
Ana Lima gosta de rapazes calados,
de calças sujas e flanelas.


Diniz Giz

Dois putos

Dois putos a correr rua abaixo,
casacos de cabedal reguilas,
gel na cabeça cheia de ritmos,
pincham gritam na flor da vida.

Máquina de fumos arfando,
bombeia ódio negro cheiro,
corpos brandos vão dançando,
denso aroma do pecado.

Gritos longos de júbilo,
prazeres roxos e nocturnos,
estridentes guitarras gemendo,
dores de cabeça olhares soturnos.

Vão saltando vão correndo,
no interior dum gigante silo,
vozes roucas ecoando,
loucura incontida espiralando.

Zé Chove

Cheio a Rebentar

Cheio a rebentar,
fúria pura!
Bomba a estoirar,
força bruta!

Plena energia descomunal,
chapadão na cara vermelhona!


Vasco Vides

Eram Ciganos

Eram ciganos. Cheiro de fogo e poeira,
como vento raça bravia,
paixão nas ventas talhadas pela tempestade,
sangue misterioso família milenar,
fogem orgulhosos do sol...


Lúcia

Vamos entregar-nos ao momento

Vamos entregar-nos ao momento,
sinto a vibração no teu peito,
forcei um pouco em busca dos teus lábios,
senti numa onda quente, o teu consentimento.

A noite embala os nossos corpos cansados.


Lúcia

És uma rajada

És uma rajada de vento na minha cara,
encheste de alegria os meus pulmões,
depois farto te expeli,
gasta dissolvida no ar.

Filipe Elites

pum pum pum

pum pum pum
pam pam pam
zum zum zum
tsup tsup tsup

sou uma pedra
furioso com as pessoas
não me ligam nenhuma
mas eu sou buéda fixe
tou irritado

sou muito bonito
mas ninguem olha para mim
é injusto
vou dançar
vou beber
para esquecer

as dificuldades da incompreensão
na disco todas as miúdas são giras
no escuro posso fazer o que quiser
a bebida solta o animal que à em mim
faço palhaçadas sem fim!

Mário Mosca

Ondas fortes

Ondas fortes bem desenhadas,
rebentavam em arco cada vez mais mansinhas.
Queria saltar as vagas mais fortes lá ao fundo,
tive medo da força e das misteriosas águas turvas.

O terreno irregular conduzia correntes,
brutas que me arrastavam,
gelado revoltado contrariava,
gritava revoltado depois deixava.

Fazia me leve de costas deitado,
semicerrava os olhos feridos pelo sol,
e o doce turbilhão lá me levava.

De noite na cama durante os sonhos,
acordava espantado com suaves tremuras,
nas pernas, réplicas do que no mar tinha sentido.

Lúcia

Caminhei pensativo na noite

Caminhei pensativo na noite,
junto à piscina iluminada.
Azul turvo de cloro,
pensava nas miúdas.

Sentia o cheiro da relva acabada de regar,
as casinhas brancas com varandas,
deixavam perceber os movimentos,
sonhava com aventuras quentes.

Andavas a passear com calma,
senti um calafrio,
baralhei as deixas preparadas.

Passaste por mim com um sorriso enigmático,
fui a correr até à praia desiludido,
e preparei novas frases para te galar.

Filipes Elites

Brilhantes

Brilhantes olhos refletem o horizonte,
solidão a dois, felicidade partilhada.
Marcamos a mesma meta,
fraquejei podre e moribundo,
afogado desistia deste mundo.
Sopravas ânimo no meu rosto,
sempre fui pouco agradecido.
Continuava feliz como um puto,
distraído da tua presença.
Às vezes cedo nem penso,
que te arrasto comigo.
Beijo a lama enganado,
o fel azeda as entranhas.
...desilusão

Zé Chove

Falha no Sistema #2_Personality Scanner, 1938


Shaut

Vou continuar a atirar pedras,
até acertar.
Como os artistas modernos,
buscando a fama mundial.
Por isso não te surpreendas,
se algum dos meus poemas te parecer,
qualquer coisa de jeito,
foi um golpe de sorte.

Filipe Elites

Coitada

Coitada da pobrezinha andrajosa,
mil anos de noivos passageiros.
Rio caudaloso sem apoio,
gritou desesperada.

Foi pior vieram todos os crocodilos,
debicaram as suas banhas desamparadas.
Tentou agarrar os galhos da margem,
mas a gordura partiu-os todos.

Mergulhou roliça como uma lontra,
encontrou um novo mundo de calma,
os raios de sol brilharam no exuberante jardim.

Conheceu um lontro anafado,
morava debaixo dum seixo brilhante.
Comiam limos, aprendeu a fazer tricot,

e foram felizes para sempre.

Madalena Nova

Raiva e Ódio

Raiva e ódio rancoroso,
bateria forte suburbana,
fumo nojo e tristeza,
pequenas doçuras amargas.

Comida carne e multimédia,
vómito chorado sem esperança,
arrastou o corpo esmagado,
sem sentido atarantado.

Foi dando dentadas á sua volta,
dançou enquanto as pernas o deixaram.
Deitado no chão de olhar vazio,

o céu infinito perplexo
em vertigem contemplou,
fechou os olhos e acordou.

Mário Mosca

6.7.07

Sonheto_6

Acendi um fósforo de manhã,
o quarto sonolento almofadado.
Remexi o fresco do lençol,
e encontrei o calor do teu lombo.

Beijei a tua testa perto do olho,
cocei as costas, cumprimentei o Senhor.
Ouvi as gargalhadas dos putos,
tracei o plano do dia.

Pequenas coisas da vida,
passos iguais sempre novos,
esforço a esforço caminhando.

Poucas coisas valem a pena,
neste mundo passageiro,
Deus, família e pouco mais.

Zé Chove

ROCK

Belos sonetos arrotados,
á pressão ao som do rock.
Força interior melancólica,
neurónios de rimas em choque.

Falam em inglês, temas de amor,
lábios, paixões e incompreensão.
Rimas podres acabadas em u,
sinto, amo, desejo, love you.

Melodias entranham-se na memória,
passo as refeições a cantarolar,
não me esforço em nada, morreu a vontade.

É sempre a mesma história,
sentimentos anestesiam fico a sonhar,
depois violo o corpo para voltar á realidade.

Zé Chove

Ernest Shackleton

Imaginarium postumum #5

Fui Escrevendo

Fui escrevendo sem nexo,
meus amores sem um destino.
É arte moderna desconexa,
galguei montanhas rochedos.

Bati tropecei sem saber,
a pensar no que havia de escrever.
Fechei os olhos e brotou,
qualquer coisa que soou.

Amanhã serei conhecido,
pelos poemas arrojados,
desferidos não pensados.

Atirei o barro ainda mole,
contra parede branca imaculada,
com ignorância alguém o engole.

Vasco Vides

Agonia

Agonia destroçante,
estraçalhou-lhe as entranhas,
fria cortante,
como criatura estranha.

Fê-la sofrer agonizante,
revirava os membros louca.
Flechadas punçantes,
gritava em sangue rouca.

Saltou aflita em pânico,
ninguém via o que a consumia.


Zé Chove

Catedral em Pedra

Catedral em pedra, a luz no claustro.
Silêncio de matas adormecidas,
na frescura da manhã de solidão.
Aldeia medieval antiga e nobre.
Novos gritos queremos arrancar,
deste povo que não é o teu.
Morte nas ruas deambulando,
agora que a noite cai e lua alvora,
sinto um peso no peito que me afoga,
passou uma vida e que ficou feito?
Não é trabalho de um só homem,
isto de levar para frente um povo?
Recheá-lo de glórias de novo?
Fica apenas a memória das batalhas que travei,
mas a guerra continua!

Zé Chove

Oh paz! Oh sossego! Oh luz!

Oh paz! Oh sossego! Oh luz!
No meu quarto inundado pela manhã,
sorrio de felicidade,
sei que me amas.
Volto a deitar-me nos lençóis frios e espreguiço-me,
oiço a água do teu duche,
os miúdos devem estar a desarrumar a cozinha.

Zé Chove

O velho general

O velho general mandou atacar.
Ficou no alto do morro a ver cair os seus bravos.
No peito um estoiro de dor,
os seus filhos corriam desgarrados com os peitos a rebentar em sangue,
lágrimas morriam enforcadas na garganta.

Paulo Ovo

Três Serpentes

Três serpentes dançavam paralelamente na pedra,
com uma rapidez mortal agitavam as suas cabeças.
Na sala iluminada de archotes ecoaram os passos descalços duma dançarina.
Vinha desenfreada de cabelo solto,
na mão direita um cálice,
despejava vinho na boca que escorria pelo peito.
Sons de violinos eufóricos hipnotizavam as paredes.
Atirou o cálice contra as serpentes que bufaram de raiva.
Bateu as palmas por cima da cabeça em delírio,
deu piruetas frenéticas e lançou-se por cima das víboras derreada de olhos extasiados.
As três serpentes escancararam os dentes e morderam-na em três partes,
uma no rosto, outra no seio, a última no calcanhar.
Morreu de olhos abertos e rosto afogueado de paixão louca.

Zé Chove

Alpendre_2

Encostou a cabeça da amada, bem penteada de risco ao meio,
contra o seu peito e suspiraram profundamente em uníssono,
como um dueto.
Com o braço rodeando a anca larga do marido,
deixou-se desequilibrar para cima dele para sentir o seu apoio.
Ele pegou no seu queixo miudinho e ficaram de testas apoiadas olhando-se mutuamente. Ao fundo a praia entardecida, no alpendre.

Mário

Toiro

No último trimestre perdera a sua mãe, a mulher e a filha.
Andava aluado no meio da praça,
feito um caco humano, ainda com a força de um toiro,
olhavam-no os conhecidos com piedade.

Mário

Alpendre

Desfiava os restos do porco no fim do almoço.
A mesa posta no alpendre soalheiro.
Zé sacou do canivete, já meio adormecido, e pôs-se a sacar esterco das unhas.
Dolores depois de nos ter servido lá começou a sorver a sua sopa.
Olhei o horizonte de cenho semicerrado e cocei o bandulho.
Repassei os trabalhos que ainda tinha pela frente.

Mário

5.7.07

Lostra

O tio Libânio engatou afoito a terceira com um solavanco.
Cinco horas passadas desde Lisboa num calor medonho.
A sua querida filha ia no lugar do morto a soprar balões de chiclet.
lá trás a Mariazinha com a canalhada - três putos ranhosos e irrequietos
- Querida o que é que dizia a tabuleta?
- Não vi papá....
E bumba semelhante lostra que os putos lá trás até se calaram,
as lágrimas correram amargas naquele rosto cavalar.

Lourdes

Pepe

O gordito Pepe atravessou a plaza de poeira.
O sol esturricava os carros de praça.
Um cheiro intenso a frango assado rasgava o ar.
As laranjeiras contrastavam de viçosas com a secura da terra.
O branco das cúbicas casas feria os olhos.
Lá ia sonhando com o novo vestido vermelho de bolinhas brancas de Conchita.
Chutou uma pedra levantando pó e resmungou qualquer coisa como “roder”.
Entrou na sombra da tasca do Señor Torelló e pediu uma caña.
Apanhou logo uma galheta de seu tio que não conseguira identificar pelo contraste súbito da luz fora e dentro do estabelecimento.
Bateu com raiva no alumínio e saiu a pensar em tortillas manchadas de molho de tomate, que é como ficaria a tromba do seu tio quando fosse grande e partisse a tromba toda.

Cocas

Balona/Bruno/Elias

Lá vinha ela bamboleando as suas carnes.
O seu sorriso de carmim parecia um pipo na cara de bóia.
O vestidinho alaranjado fazia dela um balão.


O gordo do porto comia fatias de porco.
Chamava-se Bruno. A t-shirt não tapava o bandulho.
O seu pai guiava o camião feliz e a mãe via novelas.


Magrinho escanzelado pequeno Elias,
chupava biscoitos rijos.
Andava na rua de nariz enfiado num livro.
Na escola era o choninhas,
um dia um professor deu-lhe um estaladão que o deixou a sangrar do nariz.
A mamã continuava doente,
o papá era um touro de força que aguentava seis pacotes de leite numa só mão.
O quarto cheira bem: a livros e tapetes.
Abriu a janela que dá para o saguão e viu uma nesga de céu rubro.
Lá em baixo no chão de cimento uma pomba morta há quatro dias.
Cheira a cano, misturado com refogado da dona Manela do primeiro.
Não ouviu passos no corredor e saltou lá para fora.
As raquíticas escadas de serviço desfaziam-se em ferrugem.
Lá em cima as telhas fazem um belo tapete de líquenes.
Encostou-se à chaminé suja de alcatrão impermeabilizante.
Respirou fundo uma golfada de ar noturno
e ficou a olhar para a cidade que começava a acender as luzes e a jantar.

Zé Chove

Pandeiro

Fugia como um louco aos tropeços,
um velho cambaleante na sua gabardine ruça.
Desviava-se dos obstáculos com estrondo,
a mão junto do coração escondia algo dentro da gabardine.
Pobre Alberto Pandeiro nunca saberão o que levas escondido,
o teu tesouro que te tem trazido na solidão.
É o dinheiro para alimentar os teus filhos?
“Se quiseres eu dou-te um pão”.
Pára numa esquina de olhar agitado.
“Já ninguém te segue”.
Mas de novo sai disparado.
“Estarás louco?”

Paulo

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...