31.7.12

Tuareg


Como um Tuareg ando em teu decote
entre as dunas quentes de São Martinho
é a mesma carne que no Saara
o mar espelhado nos teus olhos
e a miragem do teu beijo
eu sou o camelo e tu o oásis

Laberíntos Infernaes Remix


um pesadêlo:
Modorras post-prandiais
Reclinadas sobre os corpos
De pálpebras maceradas
Em delírios ambrosianos
Os espíritos fremem
Viandas imperiais, alcachofras
Corno gratinado, puré de ostras
No percurso inverso vertem
Ante o vomitório quem se prostra

vi um torvelinho de paquidermes
em ventania repisando o céu
nuvens elefantinas em manadas
bramindo as árvores com trombas de água

O céu nacarado reprovava as nossas intensões
e chorava impotente

Só em contra-luz…
vislumbro os seus reflexos
na cadência manuseada
dos negativos cinemáticos
de memórias desconexas
stencils com formas de bananas
e travo amargo a sémen pelo quarto
tranco a porta

Saimos em pijama atolados nos mesmos sonhos negros
e as mesmas tentações pornográficas
cá debaixo olhamos:
as trapeiras ao céu imploram com olhos tristes
furtadas nas águas sombrias dos telhados
almas esquecidas de pobres e humilhados
choram de noite o Tejo em desempregados gemidos

filmes a preto no branco:
um frade meu freguês
compra fruta e fio de arame
prefere pagar a pronto
à minha oferta à Madre Igreja
aparece em setembro
com dia e hora marcada
a mesma mercadoria
sempre carne, salmoura
e feijão frade

percorremos juntos as cidades...
Eu à beira da marca amarela do metro e tu
trespassas a turba
em passada curta e hirta
nada te perturba altiva
de olhar que morde
um drapejo que mal te cobre
nos lábios um baton alegre
num sorriso marca d'água
de quem sofre

brincamos com as palavras num café em abertura:
tu:
segue o mestre em soneto vanguardista
com subtil aconchego plasticista
eu:
não tenho exitado perante a vida
pelo contrário têm sido só derrotas

e sonhamos acordados com outras paragens:
Baratas Tropicais
Camisas tropicais
Aquários com néons
Palmeiras
Gel no cabelo
Tez morena
Baratas junto dos boeiros
Iluminados por lampiões
Através da humidade tropical
As baratas
O cheiro intenso
O clichè dos carros fora de moda
Frutas garridas
Salvas de prata
Cavam na areia das praias em busca do império
Alguns charutos
Olhares vagos
As baratas tropicais
Cais barcos atracados
Pessoas baixas de estatura
Bebidas fortes
Ilhas baratas perfumes exóticos
Alamedas enquadradas por palmeiras
Sem história
Ansiãos
Tédio modorra
Baratas

Andamos sempre pelas mesmas ruas
a cada passo sonhando merdas diferentes
como um grande corredor comprido
com uma sequência de tapetes diferentes
que despertam fantasmas novos de
cada vez que os pisamos

Construímos sinais e damos os braços uns aos outros no meio
desta fumaça infecta para que não caiam nos mesmos buracos que nós

Quem construirá cúbicas colmeias
No baldio onde explode constante
Bolas pedras gritos melopeias
Reboliço do jardim de infância

Uma dama em coma na avenida de roma
Ambulância lancinante noite de Natal
Sigo seguro da minha insegurança
Toda a vida em viva vigilância

Nariz e boca sufocante de sangue
O alarme vermelho o garrido pânico
Nas orelhas os zumbidos das abelhas

A vertigem em queda da criança
O rapaz de rosto sem réstia d’ânimo
O homem maduro com duro medo

tu:Aquele abraço
eu:Aquele também para ti muito obrigado adeus

Mais Meditação Mística mmm

Entro o abismo branco e o abismo vermelho
Caminho na helicoidal fímbria que os mistura
Desisto de andar resplandeço de tontura
O silêncio de ouro encharca-me de medo

És rosada e tens a úngula fendida
mergulho a fundo na tua ferida

são túneis percorrendo túneis
a si própria se engole a víbora
sonhei através do grande vidro

Chicoteeia
Os seus frutos apodrecem agora no chão
Gritei-lhe
Nada escondas do sol
Então só me via o halo
Excitava a parte gorda dos braços vergastados
Antes de afogá-la

e sobre as duas como manta desce a noite
respiram máquina e árvore lado a lado
brisa balsâmica velada de divindade
da plenitude do aquário de mil sóis

é horizontal o crawl voraz da máquina
o barro cego funcional plasticidade
moldando ao labirinto do engenho as paredes

Corpo e alma carne e espírito geme a árvore
Esticada entre polos de verticalidade
Co-princípios que lhe garantem a unidade

e dentro da nossa parelha foram terminando os temas
já só murmurávamos monosilabicamente tentando achar nexos
no que parecia demasiado simples:

eu:Só não vê quem não quer
tu:Quem não crê não é bom
eu:Não é bom nem mau
tu:Se o sol se põem atrás do mar
eu:Eu estou atrás de ti

tu:Só no mar o sol se põem
eu:Pra quem tá ao pé do mar
tu:Mas se tás ao pé do rio
eu:O sol no rio se irá deitar?
tu:Só se o sol fosse um navio

tu:E o rio um céu sem sol
eu:É que sol há um só
tu:Nem no céu voga o navio
eu:Mas o rio faz o mar
tu:E meu navio foge do sol

e ela partiu


O meu pai não é teu pai
O teu pai não é meu pai

Oh a luz de tê-la por mãe

Só a dá a quem quer
A luz
Só a dá a quem quer
Mas e quem não a tem
Quem é que quer
O que não tem se não viu
O que se lhe dá
Quem dá o que não tem
Quem vê o que não tem
Doi te mais a dor se estás só
Sim ou não
E mais não diz
Vês o pó que cai do céu
Cai de pé sob esta mão que vês
E dá –lhe tom de pó
Um a um cai grão a grão
Sob a mão de pé

Pão e sol
E ar e luz
E mais não quer
Vai mais o cão
Sem pai nem mãe
Com fé em si
Nem pau nem croa
Ao sol ou sob a lua
Lá vai lá vai o zé
Com pó nos pés

Sol e sal e cal
E sob os pés é pó mais pó
Vi a luz sem fim
Vir sobre mim
Sim ou não e mais
Não quer o Deus dos Céus
Sou réu do mar
Pus as mão nas suas mãos
A vi vir a mim
Um som que vem da sé

Dou um nó não dou

e eu garantia-te como um paladino embeiçado:
Afãs – onde se ajuntam os abutres
Lutas corpo a corpo – é no coração
Passavas e escapou-se o panfleto ao pára-brisas

Já em criança sustinha
A respiração com medo
Das doenças ao passar
Pelo talho entre as carnes
Onde cospem as varejeiras
mas se tua carne passa inspiro fundo
na ânsia de te padecer

e os pensamentos eram entrecortados pelos gritos duma besta
uns apartamentos acima:
Estuporadas meias têm um elástico
Tão forte que no final
Do dia parece que andei de grilhões
Dos sulcos na barriga das pernas
E com os pés inchados

e a tv sibilava:
queremos ser bons
almejamos a excelência
que reparem no nosso esforço
não queremos
transparecer naturalidade
e vida airosa
vivemos à tabela
sem desperdiçar um minuto
murchamos nossas potências
em favor da força do grupo
mas à noite libertamos
de novos as bestas
:manifesto zappatista:

Odisseia Entre o Seixal e Chelas



E ao longe à sombra das chaminés
da acearia soluçante
as crianças de pés no Coina de águas tóxicas e coloridas
vislumbram:
Chelas que te esfumas
entre baldios com teus prédios anónimos
toda cruzada de largas estradas
mesclada de tantas raças
tanta ignorância em tuas avenidas pardas
Oh cidade cinemática sem horizontes
onde estão tuas quintas
quem rebentou teus antigos muros
abandonaram-te os eremitas
secaram tuas árvores de fruta
Sobrou escrito no tronco da decrépita nogueira:

"Todos os benefícios somados segundo as respectivas intensidades subtraídos de todos os malefícios deixaram-me de bolsos vazios de ponta de orgulho ou recordação prazerosa que me alegrasse. Passei a degustar com felicidade as maiores provações e angústias e o meu peito encheu-se de melancolia e suspiros. Passei a vaguear entre os baldios conversando com os anjos do Senhor e praticando a renúncia. Alimentava-me de raízes e bebia dos lagos poluídos nas redondezas da grande cidade"

Vagueando ao longo da marginal ferrugenta matuto:

acordas no carro, através do volante o sol nasce
em teus olhos e carregas no acelerador em direcção
ao precipício, (prepúcio arregaçado carícias?)
é tão fácil ser estúpido deixar a última gota no pano
no vinho benvindo, (infindo, enfado?)
fotografo as filhas do vizinho
(um suspiro?)
um copo de água e bochecho, talvez puxe um escarro
caio pelo precipício e principio um novo percurso
regressivo, tropeço em todos os escolhos (do meu futuro?)
e engulo todos os momentos do meu passado que não cheguei
a viver e afogo-me num presente que não deveria (ter acabado?)


Tem que ser um bocado cabrão. Algo que desperte. Uns clips pornográficos.
Uma provocação dos instalados. Um safanão na filha do colega.
Uma javardice com as crenças dos pacíficos. Uma granada deitada ao lago dos patos.
Ou diria, ou melhor falaria, ou passaria eu por um outro sistema de ver a realidade.
Encarno? Primeiro descarno. Dobro. Rasgo. E fodo.
E alivío oh se alivío!
Que o cadáver já boia no rio. Tingindo as margens dos humores de putrefação.
Tingindo as margens onde as pobres mulheres entre os canaviais lavam as camisas dos maridos…
e eu canto-lhes de mansinho:

dá-me as chaves deixa que te aparte desse momento
dá-me as chaves do teu silêncio
impertinente almejo o teu segredo
dá-me as chaves do teu apartamento

Recomendação:
Para uma renovação do electro pop em Portugal

Integrando valências do Grime, Dub acente nos valoress clássicos do Dance-hall e derivantes do Disco sobretudo a versão Italo.
Cantão alemão / Italiano

tipo:
Uh nhaf nhaf zu
Uh nhaf nhaf zu
Irg lhaf lhaf ver
Irg lhaf lhaf smer
I never break mirrors

Som som som intenso tom
Rum rum rum fill the room
Tum tum tum bato coraçum
Como com cum a tensum


ANAGRAMA
ANAGRAMAS
ANAGRAMASME
ANAGRAMASMEL
ANAGRAMASMELANCIA
ANAGRAMASMELANDCIANETO

Ale e Ele e Ela

Ele bate ela sai
Ele corre ela cai
Ele toca ela vai
Ele coça ela ai...

Ele chora ela ri
Ele troça ela a ti
Ele droga ela sim
Ele moca ela ri

Ele choca ela em si
Ele choça ela aqui
Ele goza ela ali
Ele louva ela alá
Ele implora ela dá

Elektro choque

Bizarre pizarro
Sonhos matam
Batatas matam
Ruas matam
Famílias matam
O dinheiro mata
Drogas matam
Alcool mata
A pátria mata
Escola mata
Tou ma cagar
Vai-ta matar
Ciganos matam
Preguiças matam
Sujar matas mata
Comer demais mata
Tudo demais mata
Sonhar mata
Tou ma cagar
Vai-te matar
Não te me esqueças.
Today i didn’t take the bus
Indecisions and perplexion
Froze my steps people
Door and I just do nothing

Just Fucking Tell Me What To Do

Nemátodos
Richtig Oder Falsch

Bla bla bla da cla mitá
Faq faq rag ma grasca la bita
Ssa ssa sol ep tadrá clash crack mitash

Fra fra bra ma la drap
Papcrag da mast xa la fae ah fae ah
Umblap catrá bap ba la bap bap bap

Ras ras ras ars ras ras
Ras ras ras rsas ras rasgás palavras
Gásgás gás gás gásgás gastas palavras
Pá áp pá pápápá pá pá para com isso pá pá
Just fucking tell me what to do.

Som som som intenso tom
Rum rum rum fill the room
Tum tum tum bato coraçum
Como com cum a tensum

Horen Antworten
Arbeit Lehrerer schue ich heisse
Abendessen früshtucke
Stunde es regnet tut
Mir leide lielings sind
Zeitgeist

Einkaufen mit dem rad
Ge+mach+t
Perfekt
Sehr Gut

Fernsehen
Matharbeit
Eine stunde – durante uma hora
Ich heiß Fábio. Ich bin 28 jahre alt.
Ich habe eine Hund.
Meine eltern heißen Fávio und Fábia

Losango amoroso
Um estúdio em malta
uma palhoça em Capri
9400 Merdapíxeis

Passadiço não pissadaço
Passadiço não pissadaço
Passadiço não pissadaço
Passadiço não pissadaço

Buncker em neuchatel
I’ll keep dancing on my own
I’m not the guy your taking home
I lost my faith in science
So I put my faith in me
Make it out on the train
Got this little girl singing
On repeat in my head

falência do mundo da música
fuga ao fisco
prisão-humilhação

Sou o ex-presidiário
Liberto à sombra do muro
Num escaldante dia de Junho
Trouxa vazia ao ombro
O que é que eu faço?
Já tou às portas da cidade
Algo me diz que me afaste
E o corpo que esse se cale
O que á que eu faço
As estradas refletidas
Nas lentes poeirentas
E as canções das cigarras
Secas na garganta
O que é que se faz?
chuto os contentores de lixo

Entalado entre dois camiões contemplo o escrapanoso baldio à minha frente onde dançam entre os arbustos secos e sem nome os sacos de plásticos papéis de uma feira recente. Ali fico vigiando num torpor a miragem do calor sobre o asfalto e a terra quente tudo ondula ligeiramente e todos os limites das coisas parecem ondulados de calor, os arbustos, os postes ferrugentos, os vultos ao longe carregados com sacos de compras. e nesse transe memorou:

Medrou nele a veia poética. No dia em que teve de escrever um requerimento ao reitor do seu estabelecimento de ensino a fim de que lhe reavaliassem um exame, aí, foi o flagelo da lógica que despontou. Na manhã seguinte tendo sido acordado pelo avô jazendo ébrio ensopado em vómito à porta do elevador do prédio esboçou uma máscara de sofrimento, aí, despontou dionísio.

relembrou amores passados:
A besta bonacheirona à segunda tentativa logrou conquistar a beldade envergonhada da sua condição social. A submissa. Aquela com que vários homens sonharam e preteriram por não trazer vantagens financeiras. É uma bela moça. O bonacheirão já fora casado com uma gordita que ao sentir-se instalada começou a expandir-se dentro das licras e a descurar a frondosa penungem que então lhe começou a vicejar na papada do pescoço tendo numa fase final encapelado em forte barba.

Pelo carinho que a viu empregar
Na ajuda da criança desconhecida
Que resolvia os deveres no ondear do autocarro
Instintivamente compreendeu
Que a rapariga não poderia ter filhos
E se entregava com todas as potências

Fervilhou no rapaz o amor de compaixão
E deixou arrastar-se pelo olhar
Dom da infertilidade mais fértil.

E não mais podia viver sem ela
Querida acordei em agonia de febre eram 3 e 33 de encharcado suor
Dei por mim sem ti sem teu robe de cetim acetinado e tua pele pelos 50 soprada
E caía caía dum balão sem ti caía de roupão vexado pela população
Que gozava com meu brasonado roupão de turquesa e pelas ligas das meias
E caía e caía e na queda envolvido pela espiral das nossas vidas
Quanto interesse mútuo quanto conforto o aroma do meu cachimbo
Tingia a paisagem de câncro amortalhado no teu cabelo negro recém pintado

era a musa dos seus poemas
Aparência da aparente suculência do fruto
Esfuma-se ao toque polvorento
Fruto esboroa-se a imagem da grossa maçã
Encarquilha-se em crosta velha

o amor gera tensão, tensão que explode
Virou-se para trás e esmurrou o puto. Pumba, pumba, pumba. Sangue no vidro e silêncio – sinais exteriores de mudança no semblante ranhoso. Por o dentro o consolo do enquadramento pessoal num papel social de encarregado de educação como justificante. E para sublinhar o papel formativo prenhe de razão volta-se, o braço direito agarra a cabeceira do banco, o rosto sereno e assesta-lhe um soco na testa. A paz interior sussurra-lhe “a vida não está para brincadeiras”.

Como é que um olhar pode
Transparecer tanta esperteza
Concomitante com tanta lerdice
Pois lá vai ela abanando a cauda
autocarro fora mascando o resto
do seu cérebro. Uma coisa é verdadeira
o sorriso era falso.

chegava entretanto a noite e as pernas queriam andar
o corpo queria algo indefinido
acendem-se as luzes nas ruas desertas
e o bafo guardo nas entranhas da terra liberta-se
os grilos e cigarras gritam com força
ao longe ruge esparsamente o arranque dum autocarro
mas as ruas estão desertas
acendem-se as luzes capturando outras formas de vida

os pensamentos vão caindo com a cadência dos passos
como uma oração ou um diálogo que se tem com as coisas
alimentado pela visão e pelo relentim da alma

Um som estranho deve soar primeiro
Uma baforada de incerteza
Que desperte a curiosidade
Um ronco vindo de longe
Aveludado e ancestral
que hipnotize rasgando as planícies da memória
e desperte a vontade de “dançar”
dançar enquanto acto essencial
de expressão dum sentimento
que as palavras não saibam dizer
que o cérebro não saiba formular mas
que um frémito irreprimível da vontade
se derrame em calda de movimento interior.

E vai caindo a noite
tudo cai nos extremos
tudo provoca sensações extremas
porque à noite ou se tem muita luz, um brilho intenso
ou se vive na escuridão

E como um sino longínquo chegam-me à lembrança o Eleanor Rigby,
rituais de ablussão e imagens de salmões sorridentes
saltando um rio qualquer sem ursos que os abocanhem

"Através da cidade esférica
na sedosa limousine
és o fulgor na bracelete metálica
no cetim indiferente nos lábios da lepra

és o balançar da city desperta
és o balançar da desgraça
sem sexo sem cheiro sem identidade
glamour inebriado um miasma
uma convulsão a morte sem dignidade
um perfume despedido pelas ruas da cidade"

"Carinhosamente ou meticulosamente compões o alinhamento e a côr perfeita a dar às frases de forma a não magoar ninguém e a todos convencer. Poderemos viver com menos depois de nos embrenharmos na fartura? E uma vez sentidas todas as costelas do torso terás empenho suficiente para suportar a engorda?"

De peito cheio percorro a alameda. O queixo ligeiramente levantado, os ombros gingãos e a leveza de espírito. Tão cheio e tão leve... escorrego na relva húmida. Um segundo; a mão que sai em defesa aparasse num cagalhão com aparência de salsicha e consistência de diospiro. O adónis perde a parra. Fechem as portas do museu.

oh cidade cidade
quem fala assim são os teus filhos-dejetos ajatos
Na segunda sessão profetizou o início da idade do ócio. Como estado livre e alegremente procurado. Com o advento do Progresso Automatizado o homem deixará de pensar no futuro absolutamente confiado de que o melhor possível lhe será dado pela Máquina. A Máquina não é racional, a Máquina não é passional. A Máquina é Estatítica. No número depositámos a nossa confiança com carácter de Fé. Seremos embalados porque não haverá Injustiça...

caminho pelos becos e ruelas sem saída para onde deitam os halogênios das cozinhas...

Branco-halogénio
restos. a laranja violentada
sobre o mármore da cozinha.
o sumo reprimido com pudor
se aflora aos citrinos lábios.
A pele é derramado leite
apodrecendo sobre a bancada fria
o corpo inerte como farinha
não leveda
esfriam-se as cores nos azulejos
sem reflexo

revelações

reverbera nos milénios
atinge-nos a todos por igual
dispersos por filmes rezamos
que não se enrodilhe a fita

ecoam as vozes em salas
insonorizadas nunca sentiste
girarem-te as voltas
liberta solta não deixes que parta

sustém a dança abranda
se tensa - é só escuridão
é só escuridão - a agulha é
aguilhão amansa segura
nas pontas

cinemática teia de veludo
perdida nas cabines da vida
revela distorce corta e seca

e a noite continua fresca cheia de começo cheia mistério
e a melancolia embebe-nos desde as pálpebras
dos olhos até à franja das calças

e

Quando misturo
Sentimentos de culpa
Com o pouco sono
Traço com mais tristeza
O desenho do desalento
E de estupidez inocente
Dos rostos do outro lado
Da estrada junto ao semáforo

Contemplo em contra-picado
Os tectos estucados
Dos palacetes vagamente moçárabes
Das avenidas quando volto dalgum trabalho
Acendem-se candeeiros aos centos
Acolhedores de memórias
De vidas quase sempre
Com vias pouco
Definidas

Chelas que me viste vaguear nas tuas avenidas por onde o Tejo sopra

Bem me fica memorar-te Chelas
Como os amantes que ao perdê-las
Suas amantes desejam vê-las
Em mil reflexos de mil janelas

Pouco resta no saco
é infindo o asfalto
vou enfim passo a passo
Pelas estradas de chelas
sem ver as estrelas

Pouco me resta no Saco


Pouco resta no saco
é infindo o asfalto
vou enfim passo a passo

pedindo aos deuses do asfalto
lampiões ao alto que me guardem
de rebentar com o carro
ser preso, ter problemas de crédito
ou outros perigos da vida

Construímos um épico dia a dia entre a cama o sofá
o asfalto e uma cadeira recostável no trabalho
decerto alguns deuses nos olham lá do alto
e aplainam nosso caminho, são deuses de terno
com seus queridos preferidos enlevados

não é condição sinequanon de sucesso
mas pode evitar alguns amargos de boca
prefiro por orgulho recusar essa mãozinha
como um espartano orgulhoso que se recusa
a participar nos teatrinhos do oráculo

Nas Montanhas


As montanhas vão galgando todo o espaço que a vista alcança. Tingidas de uma neblina que resplandece com os raios solares do final tarde. De memória não sei precisar se o seu tom era cinzento, rosado ou talvez violeta e perto do céu esverdeado azulado. Os montes são docemente arredondados como hematomas roxos na cabeça duma criança. No caminho as aflorações xistosas surgem como os despojos de tesouros abandonados à pressa, com os seus laivos doirados de óxidos ferrosos e a riqueza das formas. Os tojos envolvem estes retábulos como aconchegos de penas verdes frondosas. Não saberia precisar o que mais entusiasma se a segurança das formas laminadas pelas intempéries milenares se a loucura das cores vermelho sangue de boi, laranja, verdes, pretos profundos matizados os tons pelo vinagre ácido e corrosivo do óxido. Dentro das montanhas não existe manhã, tarde ou noite somente desregulos de calor superficiais.
Por ali, falo-vos da Aldeia da Pena, andava uma pastora controlando as suas cabras estrada acima estrada abaixo num automóvel vermelho de pintura coçada. Almoçava na beira da estrada com as pernas fora do carro meditando dentro do tupperware.

Manhã Tarde Noite


Manhã

Brisas de loiro damasco
Fruta descarnada que beijo
envolvido em vapor do duche perlado
As brisas que roubam as laranjeiras
escorrem pela sua pele

Espreguiça-te manhã
Nas poças do alpendre
Bocejem abelhas
pelo rosado horizonte

O feno verga-se ao passar do dia
O vento chora nas lassas cordas da roupa
raparigas de sorrisos polifónicas
lembram-me que existe mais mundo
além deste quarto além deste sono

Pela imperfeição perfeita da natureza
Deliro na vertigem de se será esta a mulher
mais perfumada de descanso e paz de alma

Na lentidão das manhãs suspendo a vida
nas contas desfiadas de um sonho


Tarde

No chuvoso lagedo
reflexo do céu de luto
assisto às primaveras floridas de sardinheiras
No parapeito e os lençóis lavados
pandos de tanto branco
são velas que partem destas tardes em Benfica

A selvajaria do vento frio avança
e trota no espaço o trovão
através da cidade esférica
na sedosa limousine
és o fulgor na bracelete metálica
no cetim indiferente nos lábios da lepra
tarde medonha no shopping
que só rima com Domingo

impedindo que o vigor se dissolva na sequiosa terra
uma convulsão de morte sem dignidade
um perfume despedido pelas ruas da cidade
Uma podridão que ferve nos vales
vai tingindo de podre as margens do céu



Noite

nasce nos ensombrados socalcos por decrépitas latadas
e escorre nas grossas raízes sedentas das águas do rio
altaneiros meandros dos rios sempre descansam os corpos
Perde-se o coração  sempre nos redemoinhos dos rios bravos
por isso entre correntes e engrenagens vivemos

Enquanto acreditarmos no infinito
alguns rios serão tidos como insondáveis
das águas se evapora todo o mal
que da vontade em frémitos irreprimíveis
se derramem as caldas do movimento interior
e fujamos para casa

Revela-se o navio.
Libertas por fim da agonia dos cabos
respirem com um silvo as velas asmáticas
A noite é o rio e ansiamos mergulhar as quilhas no infinito


A parede calcária ressequida descansando até ao rio
tingido da calda de óxido milenar paredão que desenhas o Tejo
beijando infinitamente a superfície calma da água
nossos corpos desenhavam-se angulosos mais escuros que a sombra
“Oh margens de penumbra perpétua” já cantava o poeta
apodrecidos de negros limos cristalizamos entre os armazéns
engolidos somos todos a mesma noite

Sado-Loucura


Os retrovisores e janelas entreabertas
serpentinam a cidade de luz
Espelhos de mil brilhos líquidos as calçadas
cegam o meu caminhar
Eu comprazido no acasalar
Esvoaçante das pombas nos beirados
Absorvo a cidade com todos os sentidos

sou cisterna ávida
albergo o marasmo impávido
da gula espessa, morna e borbulhante
o frevo dançante da concupiscência das carnes
agita-se quando te cruzo oh Setúbal dos meus amores

São mel do nosso favo
E fibra da nossa cepa
E qualquer coisa longínqua
Maresia, maresia

O apartamento transparente gelo
prisão eterna de flores de plástico
em cada cómodo o candeeiro de plexiglass alveolado
tremelica lá fora o céu troveja
Deixo a sua luz penetrar
As pétalas dos meus olhos

A brutalidade dos meus apetites
Agarrou-me os braços atrás das costas
violentou-me a letargia
e arrastou-me ao velho manicómio
As pessoas admiram quem se enfia por túneis,
zonas labirínticas e ameaçam não voltar.

Vegetalizei do medo
Em mim magnetizada a dor
ou a vontade de sofrer
Beijei-me numa sombra de dúvida
dor, solidão e luz
fotografia dos primeiros dias

A caverna nacarada
Em que me sirvo e sorvo
era a cela mais longínqua em relação ao uivo do mar
No final das escarpas do Outão

Os tímpanos do oratório
reverberavam de mar
durante as matinais ensonadas

Do teu sopro gracioso alvor
Esconde o sereno arrebol do teu rosto
Oh sol glorioso que não te mereço

A exaustão imposta funcionava
como um tratamento de choque emocional antidelírio
além do sofrimento físico e da sensação de impotência
a impressão angustiante da morte iminente
Uma impressão que desperta defesa do Afogamento

Observava as mouras que se banhavam nos tanques
através do mata-cães, Oliveiras da tez prateada

Com este método, a mente, mantida a freio
é induzida a renunciar à sua arrogância
e logo se torna mansa e organizada
os maníacos com maior rapidez são tratados com a tortura
que com os medicamentos

Que os vivifique: o paúl de nebelina madrugadora e
O prado de sequeiro definhando ao sol dispendendo
os humores da alquimia do húmus

Disparo dali para fora com um apetite revigorado
Apostatei da seclusão e arrotei a plenos pulmões
os restos duma moral imposta pela loucura

Depois dos pilares descarnados
Pelo rancor ácido do mijo proletário
que sustentam a aposentadoria
das fábricas paradas
estendidos suam como lençóis matinais os baldios
até ao esfumado horizonte

silenciosas as orgulhosas asseiceiras
que se arrastam indomáveis nas planícies.
O Maninho estéril que se levanta infecundo ao crepúsculo
A congregação de baldios, solos incultos onde lavra a ignorância
respiram ao longo dos séculos sem donos
Avançam nessas terras as estevas a chupar o sal
das rochas brancas quebradas do sol
e chora a cornicabra sedada
do chá da alcachofra velha.
Sequios lavrados pelo pôr de sol vermelho

Calam-se perante a imensidão do céu.
Como as vagas as vozes enchem-se
Nos peitos do vento até ao mar
ali bem  perto

Duas cascas de ouriços do mar
semienterradas marcavam o caminho sempre igual
entre as cearas de carrapatos

As colinas coroadas com excesso
inalcansáveis ermos de paz e ventania
que esmoleiam o sol aos que se arrastam
aqui em baixo

Por fim avisto o grande mar
e se ainda havia algum pesar
alguma sombra
mergulho no azul como cação jovem
e deixo que as ondas rujam sobre as minhas costas
eternamente

Necessita o espírito do sopro fulgurante
Não da luz potente,
do vento do vento incessante

9.6.12

Caveira


Um Gestor


Tinha esculpido na cara um sorriso de felicidade esfuziante. Piscava com serenidade os olhos por segundos e quando os abria parecia que descobrira novas maravilhas no mundo. Um sorriso assim rasgado cada segundo da existência devia ser exaustivo. Com as bochechas arrepanhadas para trás parecia ainda mais bicudo o seu afilado nariz. Era barrigudo de pernas magras e estendia com prazer a quem passasse nos corredores a sua mão espalmada e suave. A pele das suas mãos era suave como uma criança embora já fizesse a barba todos os dias. Demorava-se nos cumprimentos num crescendo de alegria nervosa. Mas onde habitava tão fascinante criatura? Era dono de uma padaria em Maringá MG que também vendia lenha e acessórios para as lareiras, espigões de aço para ajeitar as brasas, tenaz metálica, fósforos compridos, bufadeiras, pastilhas de resina, vassoureta ,pá metálica e outras traquitandas supérfluas para os obcecados na arte. Também vendia lápis e blocos que ele mesmo usava para fazer a gestão do estabelecimento. Era metódico com as contas que garatujava com a sua mão suave envolvendo o lápis como uma aranha. Tinha nojo de tocar nos cêpos com as suas delicadas mãos. Tinha pesadelos quando cochilava depois de almoço na penumbra da loja com os líquenes e musgo e as cascas cheias de crateras misteriosas das árvores, imaginava as aranhas, lacraias e centopeias vermelhas que se escondem na humidade mais escondida dos velhos troncos e adivinhava espíritos e criaturas maléficas escondidos nos veios das árvores libertos fugindo com chiares e estalos no fogo das lareiras assombrando os casebres pobres da região e espalhando a maldade pelas chaminés e escondendo-se de novo nos topos frios das montanhas e descendo uivantes no caudal das cachoeiras do rio Preto! Acordava sobresaltado e penteava o cabelo oleoso e a barriga. Vivia num pequeno chalé nas traseiras da venda que olhava o rumorejar incessante do rio. Em 66, um ano antes de terminadas as obras finais da igreja de Maromba, uma tempestade fulminou a região. Os rios galoparam desenfreados com vontade de destruir. Na bonança floresceram as lendas como a do menino Moisés encontrado entre as lamas depois do dilúvio. Tive oportunidade de conhecer o Moisés, um homem feliz, conhecido pelo seu fusca-taxi branco de 80 e pelo seu restaurante onde a especialidade é a truta. Ele mesmo tira a espinha das trutas na travessa do cliente num gesto de paternidade bíblica. O Brasil ainda está cheio destas lendas e mitos perdidos nos recônditos da floresta.
Uma população extremamente religiosa foi morar para Maromba em roças e pequenas fazendas. O que as levou a carregarem as trouxas, burros e mulheres até aquelas altitudes? Hoje em dia toda a gente trabalha para o turismo. Cachoeiras, vegetação e um clima peculiar atraem hordas de brasileiros em busca de romances tórridos no meio do frio transalpino. Os nababos no boteco mais seboso da praça central 

Playlista 2


Exclusividade luxo, leve escoriação
na vontade um desejo um pico elevado
uma caixa de madeira repleta
dum tesouro por gerações e gerações
2
uma maca de hospital ouvia as suas confidências
um suposto coma entre saldos e soros
oh doença rara fustiga-as
3
Morro do Angu
Comando do verdão
Favela do Xurraseterno
Morro da Graveola
Vai ter churrasco envenenado
Isso é guerra de G3
Guaraná morro manga rosa
Guaturim, birimboca
leva na bilha
na palma da mão
favela do Jegue
morro do esculacho
na escadinha do acordeão
Loca do tatu
na favela da pitanga
rola que noiz
bagulho bom é no verdão
o comando é fé no capeta
é o bonde
5-6-2012
Éo som proibidão vai pró inferno
Um pano amarrotado esvoaçando lá no alto
encovas a vida nas entranhas da cidade
4
Apple Crumble Aple crumble humble humble humble
Details, travelling with her, peles cabedal, unhas garras, blocos da vizinhaça
O teu mestre, o teu senhor é isto e aquilo
É o cordão de ouro donde pendes
Sou teu prisioneiro vem trazer-me feijão e arroz (wine and bread)
sou uma estação no teu caminho
quero ler as linhas da tua mão
como um ciganinho
5
45 no travesseiro
e a bolsa sem dinheiro
Teu moreno das melenas de piche
Do peito duro e das noites sem limite
Atravessavam a noite escura e rija densa entre eles
E ele quis contar a sua história
numa mão a cruz de madeira na outra a cigarra do ônibus
O teu ciganinho de Buenos Aires que te insufla o acordeão
6
Pelas ruas do crack te chamam
entra connosco nesta fornalha
em que as crianças dançam
as sombras cantam para loucura do rei
pelas ruas da mourama
desmanchavam o bezerro com voz de criança
Um clamor no beco escuro uma nova aliança
Com o senhor da rua
7
Oh pai porque cortas a árvore
onde eu brincava no quintal
chegou altura de plantares
meu filho, uma história real
como o teu irmão Leonardo
minha alma de gelo e o corpo corrompido
um farrapo de ácido no estômago corrompido
8
Tu sabes quem eu sou
sabes que não te posso amar
pelo menos da forma que sonhas
não sou sequer a distância
com que do abismo me olhas
nudez suave engasta-te no meu peito
desmaia-me com tua fragrância de criança
alastra-te pelo meu quarto
e beija-me beija-me beija-me
não, não, não. Deixa-me ser eu a beijar
abraçado ao teu respirar
tuas dores para mim são sombras
daquelas que eu senti
mas de ti me compadeço
e te ofereço
o bálsamo do meu amor
que é fragrante como aloés
purifica como mirra de ouro
e alegra como vinho inebriante
o viandante

Playlista 1


Cerveja que seja original
na piscina de plástico ou no piscinão de Ramos
tanto faz
desde que não falte farofa
e a mulher do vizinho
global underground do sharam no dubai na cartola
e sai uma lingüiça pra mesa do meio
para amiga da minha mulher
as garotas as garotas com os hulahoops no cangalho
e um som nigeriano agadez agadez
e um buço mal aparado
o calor o sol no cangaço
a tesão de mija no gramado
um churrasco bem avinagrado
Tá boladão meu caro Ed Motta tá um bolão
chama os vizinhos que ainda agora começou
este forró, eletronic moqueca soul
e a intensidade do óleo do dendê
no corpo torrado da mulata
pede uma dança uma bachata
Juan Luis chicoeia-lhe a anca
e um caroço frito de cajá
o colar de flores no pescoço
chanatas e um sol boladão
hoje se preparem que tem filè, alcatra brigadeirão
Mais tarde se o ambiente aquecer um rock romântico
uns spandau ballet ou japan ou uns duranduran
vá lá e um bacardi ou um chá bem quente
com ginseng, raspas de gengibre ou aguardente
a tensão sob nas veias a tensão sobe nas velhas
vamos apagar as cortinas vamos ligar as velas
em ritmo de rumba saimos à rua improvisamos um chachacha
vai vai vai “you were working as a waitress in a cocktail bar
when I met you” sim eu bebo no trabalho
e fico todo perturbado e babo-me em cima do teclado
dont you want me lady dont you want me ohohoho
I'd like to take u home tonight
shes a model and shes looking good
it only takes a camera to change her mind
champagne and mean and man
for beauty we will pay
manschaft eletronics até tarde
patchuly em reverb som da excitação
fatos roixos camélias na lapela e rougezinho nas buchechas do bumbum
pum pum pum and we turn the page
the streets are empty e tu estás sozinho
espiralam os violinos que arrastam para um abismo de melancolia
uma saudade inapagável oh pai segura a minha mão olha o anjo
que te quer magoar. Que arda no inferno. Desce sobre mim esse punhal
e mergulhe no esquecimento a minha geração
oie mamita linda e tua amor me cumbre la piel
sinto amor já muero e sembre el amor de oro
por nas ciegas loiras de tu sexo amor mio
sinto que me muero tu existencia és la luz de mi afeto
salto nas poças de água de todos os bairros de boemia
Santa Teresa, Lapa, plaza de san Marcos, Bairro Alto
Bairro gótico, los rosales, Chutney, Bab boujeloud
Blake como um shakespeare ou um Crack the ripper
passeando meditabundo pelas margens smogosas do tamisa ou guanabara
talvez em busca dum melting pot
de feijão, arroz uma ou outra posta
de bacalhau e barbeque de cebola
all that I now is I'm falling fallin fallin
there's a limit to your love
ela chora toda a noite ela chora no trabalho
mas não sabe o que arranca as lágrimas da garganta
e pelo o rosto um mar espalha e a pele assim é espelho
de mágoa atordoada uma placa para lugar nenhum no meio da estrada
um suspiro dentro da casa abandonada
quem geme lá em baixo na escada onde se guarda a tralha
que só se usa no Verão?

Guiar Noite Dentro


dormência na planura aveludada do alcatrão
luzes rasgadas no funil em contramão
asfixia veloz morte do trânsito morte do rádio
Substituição das peças uma nova vida

Becos a fora entre galpões de estrepitosa solidão
acendesse a luz néon no débil coração
os passos vão descalços no hall a criança
abandonada pisa descalça no chão

E quando fala o sono a razão um clarão
entrecortado surge em miragens
assume a dor a capacidade de atravessar

os corpos sem deixar marcas sem
sangrar. O embate final é nunca chegar
e a estrada é uma constante tensão

Lá Vem a Filha Dela


Olha olha lá vem a filha dela
curtindo o som de lata na mão
ela samba através da laje bela
e em suas ancas fixo a atenção

Florida morena do cabelo molhado
por entre o fumo do churrasco
numa paisagem de morros e laje
dança, dança até ser tarde

e quando a noite cair entre a favela e o mar
só lingüiça de frango na brasa a chiar
aproxima-te desde barril de brahma

sussurra ao ouvido que és minha dama
arrasta-me graciosa meu corpo em chama
e deita-me com carinho na porta de casa

Mamão Italiano


Eu venho de italia do meio de uma sociedade nojenta em que os ricos esmagam quanto podem e chego aqui ao brasil na primeira noite desço a cozinha e pego um mamão com quase dois quilos e corto-lhe as pontas já meio podres, depois corto uma tiras de casca e mordo diretamente a polpa do fruto até às sementes sorvo o suco brando enjoado como uma flatulência açucarada com adoçante, inclino a cabeça sobre a lixeira para que as gotas que me escorrem pelo queixo não pinguem no chão. Ponho me a imaginar se algum animal exótico terá roçado na casca do mamão, alguma serpente ou batráquio venenoso. 

2.6.12

Cachoeira do Poção


Amor Maternal


Deixa-me viver num recanto das tuas costas
habitar para sempre no refego das tuas coxas
quero sentir sempre o teu maternal cheiro
andar nutrido no alimento do teu beijo

Que o teu calor seja o meu conforto
e o teu cabelo o meu esconderijo
meus pensamentos todo o dia para ti dirijo
é sempre o final do meu caminho o teu amor

Sinto me dançar entre leite e farinha láctea
Rodopio em teu aroma morno
Caio inanimado na rede de teus lábios

No teu colo sou apenas criança
Sinto que o teu ventre ao meu ritmo balança
Envolve-me e afoga-me no teu sono

Sesta na Favela


Eu moro lá no alto da babilônia
entre ruas estreitas onde se perde a memória
os sons dos vizinhos cada vez mais próximos
os conhecidos vão entrando sem cerimónia

Tanto aperto ameaça meu pudor
zonzo do ziguezaguear das ladeiras
o almoço, o sol da tarde, afogam, torpor
o som da cidade ao longe e o zumzum das varejeiras

ando em pé mas durmo já esta sesta
cada passo um peso nas pálpebras que se fecham
cada passo mais alto e do sol próximo

afasto a paisagem e bebo sôfrego a sombra
da entrada de casa um sofá de favela
estirado entre morros de preguiça bela

Passeio em Lisboa ou no Rio


Hoje nasceu um sol esplendoroso em todo o Rio de Janeiro acompanhado de uma brisa fresca quase fria que me faz lembrar os mais belos dias de Lisboa onde tudo cega de tanta luz, andar na sombra regela e andar no sol dá calor e todo o ar é tão límpido que se destinguem perfeitamente os detalhes de Almada ou Niteroi. Nesses dias os pássaros gritam com mais força e os cheiros de almoço dançam com os de roupa lavada. Pena que sempre tenha de ir trabalhar e não possa ir passear para o Chiado ou talvez para a Cinelândia, perder-me entre os turistas, os vagabundos e os sortudos bem vestidos que trabalham no Centro ou na Baixa.

Burros


A alma amanssa-se em brisas que não se ouvem
sussurras Tu em brando fogo oh Santo Espírito
aos nossos empedernidos rochedos frios
que alguns chamam coração corações de

talho de carne igual às outras bestas do mercado
quem mo dera ter alado um sopro forte
quem me dera ser um pouco menos barro
e mais do sopro ardente incriado ser lingua de fogo

e dócil como um burro bem tratado aos pés do dono
um golfo de rosadas cítaras adelgaçando um mantra
pegando fogo. Um monumento moldado em todas as castas

na praça central a sibila dançava em torno do burro
com tiaras, sininhos, lantejolas, pernas, ventres, véus
rodopios, rosfolega passo a passo e puxa o cabresto

árvores


Em família escondem a herança
que há-de ser mais forte que vós
em sombra e frescura sob as copas
adornada de chilreios de criança

Anéis de força concêntrica
teu corpo vestido de casca grosseira
refletem os sóis por dentro
vertem a dor da chuva por fora

Sussurram arfam enchem-se de vento
sugam entumescem embebedam-se de água
crestam estalam incendeiam-se no sol

mordem estrafegam subjugam as pedras e a terra
violentam as pequenas brisas lavram os penhascos
rebentam os caminhos e os cercados

invadem invadem os campos e construções abandonados

As Meninas dos Seus Olhos


As meninas dos seus olhos
espreitavam como crianças
na entrada de uma tenda
de pálpebras pesadas de pregas
como recebendo um desconhecido
inquirindo com o orgulho sobranceiro
da filha do grande chefe

Praia Vermelha


Praia Vermelha uma chunha de mar
Entre os morros estreito
o céu mais dramático desenho
e lá ao longe dispersas ilhas preguiçosas
na costa uma aura militar
esmagada entre o granito
que refletiu todas as gerações
em dias de sol após noites de chuva
e que a neblina da mata atlântica
depois esqueceu

São ideias sem conexão
mas suscitadas pelo mesmo paredão granítico
um império imponente das selvas erigido
e a moral que como as águas do alto se despenha
da mesma pedra a estátua e a mó se lavram
na mesma penha uns o seu topo alcançam
outros lá do alto se despistam
a mesma pedra no oceano se afunda
e afunda o peito entre as nuvens
e o sol de frente olha
do âmago da terra é filho crescido
O pão de açúcar acompanha lá do alto
as caravelas compadecido
dum povo que avança estarrecido
que no novo mundo a pisar se atreve

31.5.12

Quem dera ter tido um amor


Não tenho nenhuma paixão de longa data
que não vejo à décadas por que os nossos passos
se separaram mergulhando na melancolia
de doces memórias a reviver um dia

não conheci a garota na força da juventude
abraçando-a numa prisão de loucura e músculos
nem chorei depois sem forças a nossa partida
porque não conheci, moça, mulher ou rapariga

Mas abate-se sobre mim nos fins de tarde
quando a solidão aperta nos prados verdes pardos
uma espécie de triste vontade que me afunda

de ter tido no passado um amor por quem pudesse chorar
alguém a quem quisesesse de uma forma tão profunda
que me levasse a implorar, implorar, implorar

Brasil Fora


A estrada vai cruzando a mata por entre montanhas
e vão se sucedendo as aldeias todas pobres de cores garridas
com seus letreiros flashes de móteis e igrejas evangélicas
as gentes sempre iguais derreadas transportando secretas cargas

Cachaça e Tim Maia


Desce até à mureta da Urca vem afogar
as mágoas nas águas paradas da Guanabara
entre as barcas e os reflexos e o lixo e as algas
desce depressão afogada em cachaça e Tim Maia

vem chorar sozinho o final do Carnaval
vem chorar afinal mais um vice conquistado pelo Vasco
vem chorar sem consolo só chorar, chorar, chorar
e em lágrimas tanto desgosto afogar

É mais funda a tristeza de quem está triste
e convive no meio de tanta alegria
Carioca é um povo que assiste todo dia

à profunda turbação da alma que desiste
de ascender ao patamar da felicidade maior
se afoga sem amigos, sem paz e sem amor

Caganeira no duche


ao terminar o duche, já tinha a mão na torneira
tive vontade de mandar um peido
naquele segundo de dilatação do esfíncter
sem fazer qualquer tipo de força para que o ar saísse
senti algo que aflorava
não tentei prender, uma caganeira líquida respingou todo o box
deixei a água fluir arrastando pedaços de antigos jantares
fui limpando a superfície usando os pés para empurrar a água cagada
enquanto lavava de novo o rabo com um sabão branco.

Tempestades


Os espasmos do vento na cara da imponente escarpa
escapam-se pelas paredes, varrem os valados
e caem pelos pelos abismos em vertigens loucas
e ganham nova vida nas florestas de folhas

rasantes rasgam a superfície dos lagos
espalhando convulsas palmas e uivos bravos
sempre que as rugosidades vibram
ou os planos se abrem em rasgos largos

e os afunilamentos se desengolfam brevemente
em amplos espaços de céus dormentes
e os sufocos expiram agudos se tornam graves

e fazem ribombar nas frentes mornas
que sobem fétidas das tristes cidades
inclementes e luminosas tempestades

Desempregado


Uma espargata de dor bem esticada
Ao centro até que os côcos vertam
O leite macerado de uma vida inteira
Atrás duma escrivaninha lavrando

Os desígnios dum tal mestre de lavores
Ufano de cabeleira de chumbo sobre os teus
Ombros carrega o fardo de olhos postos
Na recompensa um fardo de palha

Empina-te ao sol de Verão  e malha
O brio o brasão a honra da familia
Um carimbo na testa o orgulho o frontão

A ruína adivinha-se pelo cheiro a milhas
E milhas num sobretudo bem sovado
Pelos ermos da cidade ofega o desempregado 

Calmaria

O mar brandindo sinas quase sem voz
Nos raios e trovões da noite escura
Traça um raio de lés a lés na carne
Um trago sequioso de água salgada
É a certeza de um caminho já provado
De estrela em estrela pelo abismo dado
Em que se perdemos a certeza
Foi dos olhos cegos pelo arpão da besta
Um par de cornos sentado na proa
O passadiço bem lustrado de joelhos escova
O cabrão como quem maneja o leme
Dorme nos vapores do brandy
E sente o peso da peste hasteada
Nos mares nauseabundos da calmaria

Salmo 4


Sangrem os olhos por trás dos vidros
e o vermelho nos vidros é o soco que fica depois
do acidente como um caco velho
gingando na ferrugenta cicatriz
o sol dura um segundo e um grito
rasga toda a pele ano após ano
o embate dos cinquenta deixa-nos sem fôlego
uma vida toda para isto
morremos tantas vezes
sempre com o sobressalto da primeira vez
a morte traz-nos jovens
mas o nosso corpo reclama pelo conforto da putrefação
Que a luz nos atravesse cheia de graça
Senhor leva-nos jovens

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...