10.8.12

Homem Branco é Tão Bonito


Todos vimos na BBC aquele homem
aterrado de medo ao ver chegar
o primeiro homem branco rio acima
a navegar impetuoso numa piroga

agarrado à cabeça pedindo clemência
e com ele toda a selva se fechou
sobre si mesma, as nuvens roubou a
luz por segundos calaram-se os
pássaros o rio ficou como aço
só uns tantos ruídos de desconforto
um ranger de lianas apertando a atenção
um sussurrar em línguas soluçantes
onde as águas tocam as margens

e esse fantasma branco desconhecido
passa gelando a própria humidade
evolada da cama de vegetação morta
incensando tudo duma neblina cheia
de sentido (que falem primeiro os mortos)
seguidamente arda o medo reverencial
e só então assegurado de que a hecatombe
não será súbita falará o temeroso
e simples espírito suplicante
"que queres que faça?"

Senhor que queres que eu faça
senhor da técnica, tu que já
viste muito mais que eu que apenas
pesco do alpendre da cabana
construida por meus pais
conheço os nós do meu arpão
e a bestialidade da selva
que eu humildemente saco
e louvo como a uma divindade
mas vós sois mais pois a cruzaste
amansando os seus rios indiferente
aos ataques dos animais e sem temor
da noite escura

...


I've seen the sperm of monster fishes
drifting along the shorline
tracing new paths along my way
i've learn to lose myself in
the dispersion of the universe

olho e reolho a leveza dos seus folhos
miro e remiro a elipse do seu giro

de rabo na boca


Quando escrevo não me lembro de todas
as boas palavras e gasto as que
no pasto solarengo da memória colho
e desfolho para comparar fragrâncias
e ressonâncias. Nem se quer me lembram
então todos os jeitos de dizer as coisas
tesoiro esse de dominar a oratória
desordem isso só eu tenho e
prenho de vontade eu escrevo pensando que...(volta ao início)

entrondas


entre ondas d'internet não avistei
tanta fermosura da feminina
como a que um dia encontrei
naquele reflexo de luz e menina

que me cegou à beira desse lago
sonho debaixo da oliveira acordado
numa aparição assim tão singela
com a água beijando o tornozelo

não havia ondas na visão
só a moça de fones nos ouvidos
mas numa tempestade encapelados sentidos

cresciam em bravias ondas rebentando no peito
e arrepanhando a carne do pescoço
afogavam-me no lago

little lili ilegal


quem vos fez vil oh vil criança
outrora tão pura tão cheia
de graça quem te arrastou à
cave da casa onde dança
o pecado que te incendeia
o corpo e a mim me faz escravo
desta sensualidade vil
com um olhar tão pueril

Filipe Elites

Estoy farto d'esta arte d'encornar


Estoy farto d'esta arte d'encornar teorias
ren sem carne ou fantasias sem sen
aqui en portugal ou na provença
ensinem-me mais ben a armar poesias

entre espartilhos caçá-las eu vou
como entre abraços se enlaça um amigo
embalsamá-las en perfume de amor vou
mhas cansós de escarnho ou de amigo

Cantá-las enton hei de ir à amada mha
a mais fermosa dona que eu achei
pelos pateos do palacio do rey

sou trovador da mais bela rainha
arte há de achar em mha poesia
e encher seu ome de sant'alegria

Hoje eu tou de vara cu rta

quem não tem não é de lá
quem não sai não pode entrar
amanhã não volto lá
o seu zé não tá de bem
sua a menina é safadinha
meu bebé é muito lindo
meu bébé quer cafuné
tua língua é viperina
o teu sonho me alumia
porco berra o gato mia
o teu pai não é o tal
tal e qual o pai natal
o popaye não é um gay
é fortão mas cheira mal
tem a cara deformada
come spinafre mas não caga
no brasil casa de fado
não seria mole assim
as meninas lusitanas
não dariam mole assim
que as garotas cariocas
são malucas por dimdim
dim dim dim diridomdom
o meu fim não é aqui
sai da frente guaximim
que os homens literatos
enriquecem sem ter fim
outros passam toda vida
toda vida sem pilim

almirantado

Venho até aqui ver morrer o mar
suicidando-se com estrondo
rebentando seus múltiplos crâneos
contras cabeçudas rochas
como um almirante aqui ao vento
sozinho enfrento o rugido
infernal das vagas impotentes
tentando subir eternamente
para a terra que lhes é negada
uivando de saudade e sal
como um moisés nos muros
da sua nunca jerusalém
só tocada pelos seus filhos
a intensa chuva purificada
aqui me tenho procurando ver mais
fundo por entre os remorsos
revoltos do oceano cheios de raiva
súbita que logo engole transbordante de paz

Ã? Ah!

como uma sandes e um ucal
alegra me a manhã não gosto de chá

Só quero chegar lá de pança cheia -8 ou 10?

A eles se entregava não a mim a mim não queria
minha mulher é melhor conhecê-la delicie-se em vê-la
brinque com os meus filhos trespasse a frescura dos meus umbrais
Mentirosos aplaudidos no vento não à mais casa só o esgar
barbárie abrupta de tesão alicerces de corrupção
Sida, sida, nos lábios ensanguentados de paixão
Poemas de rua assentes no macadame hinos de devassidão
e esperma. interessa só diversão e espera e senta no meu caixão
diligência desenfreada rasgando a terra das sombras
recostai-vos sobre essas cinzas atafindas dum escuro profundo
vinde comigo brincar ao fim do mundo.

(uns são filhos da puta coitados eu sou marido dela)

7.8.12

O Rio de Janeiro Cheira-me a Vermelho

Praia Vermelha uma cunha de mar
Entre os morros estreito o céu dramático
Desenho ao longe preguiçosas ilhas
na costa uma aura militar esmagada

entre o granito refletindo todas
as gerações em dias de sol após
noites de chuva que a neblina da mata
atlântica depois esqueceu meu Deus

Ao alto dos morros a proteção divina
os conventos brancos pontuam serranias
lá em baixo os portos junto às baías

No meio escravos, gentes, mercadoria
secam-se malárias, expurgam-se espíritos
matamos índios Tupis Guaranis

Despertares

A mim levou-me um sonho a lá acordar
vida sustida, folgo bocejar
eras luminosas passam em simples
intermitência, sono, toque de sino
tocam nas serras os sinos mais finos
soam nos ecos os sinos do meu sono
sonoro símbolo entrecortado ao longe
pelos latidos ainda mais longe um silvo

uma vaga impressão de vale esquecido
vai caindo uma brisa sem sentido
num sobresalto um bocejo sem som

Finda-se um sonho mas ficam-se umas sombras
Um outro eu tenta mergulhar de novo
Na fugacidade tão doce... Despertador

Exame Social

Quando fui fazer o exame à UFRJ para entrar no mestrado de urbanismo acordei muito cedo. Andava como um morto. É bonito ver o nascer do dia entre os morros. Comi um pão na chapa e um café com leite no boteco do costume.
Tomei o ônibus para o fundão. A universidade fica numa ilha na baía de Guanabara. O percurso é por uma avenida rápida cheia de trânsito, vai atravessando várias favelas e zonas industriais
semi-abandonadas, há água por todo o lado os meandros da baía que entram e saem e braços de rio fedorentos ladeados por frondosos mangais.
ao longe destacam-se entre a neblina as silhuetas dos morros abruptos e favelas por todo o lado.
Ao longo do trajecto temos um vislumbre da extensão e da quantidade de povo desta cidade. afastados do centro continuamos a ver gente aos magotes e comércio de rua, frutas, legumes, botecos, chopperias e casas como cubos de tijolo escalavrados morro abaixo.
o sol crescia e o fedor intensificava-se. Um carro flutuando em cima duma jangada improvisada...
A universidade é uma ilha plana bastante extensa onde espalharam edifícios modernistas todos afastados entre si. As distâncias são de tal forma que existe uma rede de ônibus dentro do campus que não se paga e faz a ligação entre as várias zonas do complexo.
Nas margens da ilha entre as árvores vêm-se as sombras dos barcos dos pescadores locais.
As mesas da univ são as mesmas que serviram nos loucos anos setenta e estão todas chacinadas. No exame tive de falar das desigualdades sociais e da segregação urbana. E da esperança de uma cidade mais equitativa quando forem os jogos olímpicos, só não cantei a Internacional porque disse que tinha o feijão ao lume "força camarada, não se esqueça da farofa!"

oh francesinha

oh francesinha do cabelo amarelo
dos olhos verdes e cara de canário
as tuas ancas largas e o peito espigado
e o teu rosto de alpista salpicado
fazem-me tordo
fazem-me galo
e canto grosso
e vôo torto
ando todo apardalado
cantas entre os varais um breve trinado
como asas os lençóis ao vento
brilham as penugens loiras ao sol
canta o mundo a tua presença
e o engaiolado
nem do chão saio
como um pinto como um gaio
entre as grades piando baixo
mas para minha grande sorte o teu pai
esse grande gavião
caçou-te e tirou-te a liberdade
e fechou-te em silêncio
no meu caixão
bendita tradição
que te trouxe confortavelmente ao meu ninho
e agora com essa cara assustada
a asa curta e o corpo gordinho
eu chamo-te carinhosamente a minha galinha

A busca da música da popular

o morro vestido de tijolo oco oco
louco
caboclo
o cubo de terraço ao sol
o sal na carne em brasa
e a pipa do puto a voar
os pensamentos
do povo
como um ovo
rola pela favela
e lá vai ela
toda popular
com a anca a bambolear
bamboleio bamboleia
uma carona uma boleia
no funk mais americano
uma pintalgada de piano
um suco de maracujá
ou farofa e guaraná
dá dá que o filho do povo pede
dá dá que ele merece
e se o sentimento antes da noite cresce
oh cresce
ela move-se
ela remexe
e nas suas costas bate
o sol, o mar e dedilhar do violão

Rio Moço Desci

rio moço desci das escarpas do inferno saltei os picos e rocei o lombo em rochedos impassíveis
senti o gosto da eternidade nas mós ao longo das levadas

Feira de S. Cristóvão

gente feia gente feia
cruzando os labirintos da feira
gente desfigurada
criaturas sem alma
gritaria
berreiro
uma criança pelo asfalto arrastada
ganância nas mãos vazias
lobos nos estômagos enjaulados
lixos nas bancas em cascata
nuvens de odores de putrefactos
gente feia
gente feia
cruzando os labirintos da feira
carne podre pendurada
licores coloridos de abjecção
tecidos bafientos
fruta bichada
pullovers furados pela traça
tupperwares que o sol deformou
gente feia
nos labirintos da feira
que mercadoria torna mais feia
bolor no pão
enevoado pelo diesel dos geradores
uma velha à venda no talho
um gerente com cara de porco
uma dama retalhada num banco
um senhor caído bêbado no mictório
cheiro de alho podre e vinagre coalhado
e uma chuva ácida corroendo o palco
onde cantam
onde cantam
as alegrias do carnaval de São Cristóvão

3.8.12

Coruja negra clara de lua cheia.
ramos tristes lenta sobre a morte.
Ao longe o mar só, sem a quem
histórias contar entre o vento,
Perdido Velho velho por dentro.
As suas ondas são a asa negra
que a todos nos cobre seus enteados
filhos da tempestade pobres diabos
espremidos contra as rochas da costa
subjugados pela sua imensidão paternal
desde cedo mergulhados no medo
nunca mexer-nos sob os escombros
da madeira podre duma montanha,
De eternos pesos que não existem.

Atoleiro

Desenterrado das areias só conheço
a noite e vejo os fogos na outra margem
do pântano livres da multidão
dos grãos os galhos veneram a luaA água e a lama lambem-se uma à outra
em polvorosos lamentos as raízes
Entumescendo ao crisol dos ventos
gritam os fogos carpindo as árvores
decompostas no atoleiro da noite
A carne envolve o tronco à árvore o sangue
prova a seiva compadecida dos lenhos
sinal da casca e percorre os leitos
desde as raízes identifica os séculos
eleva-se, busca os ventos com os dedos

de pântanos

são reflexo pingando na superfície
do cadavérico lago verde uma pinga
devolvida em bafo de lama e pântano
uma lágrima de pureza transvertida
em massa lodosa vómito castanho e morno
um soluço grosso nas copas das árvores
reverbera na neblina doente que mata
os animais cadáveres movediços
que enriquecem as águas paradas de troféus
risíveis que se pisam e esmagam
como moleirinhas de infantes crianças
perdidas entre as silvas transbordantes
de lama e espinhos cravados nos olhos
da serpente lenta que nos contempla

Afastando o manto da manhã

Afastando o manto da manhã

Os confins pariram-nos em rubi
maçãs dum rosto de rasgo infinito
o brilho do sol abre-se em sorriso
O rio vertido tinto lá ao longe
o cabelo negro sobre o pescoço
Cedo se cresta o esteado vale
às escadas de xisto furioso
O estoirado vinhedo vermelho
é a pele morena que te cobre
cheia de explosões rubras tuas uvas
meu corpo escorre sempre pelos cercados
vagueando em carreiros sem nome

beijo os rácimos-chagas do teu pelo

caminho no alcatrão

Caminho no alcatrão ao longo do muro
de tijolo antigo com vidro de garrafas
agarradas ao betão e imagino
os braços esfacelados as veias

cortadas O sangue secando ao sol
sem alguém que me ampare na morte
Aguardo à frente à sombra da pesada
figueira exausta que apoia os braços
carregados de lampos figos no muro
e sangra dos cotovelos a seiva
branca e viscosa desenhando as gretas

dos tijolos carcomidos em pó
dentro nos podres ocos que se abrem
lentamente em miragem de calor
A existência de erro e limitação
torna tudo mais humano e palpável
eu quero sentir a realidade com as mãos
e que a engenharia não faça coisas
que não se possa abarcar com a vista
do alto duma montanha
quero viver entre o labirinto
de ruas curtas e sinuosas
conhecê-las melhor que o visitante
quero dominar coisas só minhas
só do meu povo só da minha família

2.8.12

Escadas


eram escadas sem fim até onde agora eu estou
entre pátios interiores marfim no seco das infâncias
olhadas inertes lá trás nas escadas da cozinha
que dão para o quintal todo enxáguado de armários
ao final da tarde quando sobes a escadaria de madeira
para tomares o banho antes da janta e interiormente
sobes outros degraus que ninguém vê que hão de
levar-te longe uns degraus de pedra que sobes
de mansinho por entre os ramos da casa de hera
os degraus são os livros da biblioteca bafio range
plangem os degraus porque perdeste a ligeireza
da vara de vime chumbo denso das escadas que
ecoam por entre as chapas metálicas que desaguam
no saguão toda aberta de escadas a noite espumante
tilinta de cristal em cristal fragilmente a escada
em espuma desce alegre de copo em copo de corpo em corpo

31.7.12

Cabo Mondego


Velado


tens de ficar assim velado?
corta os laços do teu véu
deixa-me contemplar amor meu
tuas chagas de sangue martelado

só nos separa este cristal
pressinto o teu cheiro encarnado
sudário de rosas reinando do altar
quero beijar as pétalas do teu lado.

Farol


Soterrado austero farol
envolto nuvens da devassidão
ergues teu rosto luminoso
expelindo voraz o vómito
do mar rouco fendendo
a ansiedade uivante das chuvas
penteia o teu cabelo de sargaço
e atrai para as tuas rochas
dentilhadas de marisco alquebrado
os dorsos sensuais das putas das sereias
e fá-las sangrar todo o Inverno
estou a falar convosco como a uma divindade
que me escuta e protege
e peço-te como uma criança
orgulhosa de seu pai todo poderoso
dá-me esse prazer de vê-las sofrer como cadelas

4 Sonetos


Agraços olhos sobre os lavradios
ensombram antes da noite os vinhedos
afagam seus dedos de morte frios
os infantes frutos imóveis de medo

serpenteia negro o suor pelos regos
em oclusas levadas de silêncio
envenenando a sede de loucas cepas
as filhas de uma estúpida inocência

Esse fogo tocado com o olhar
não esmorece e decepa os sarmentos
com a inércia em queda milenar

Oh cinza não reveles os seus passos
liberte-se a chuva em pensamentos
amargos e chorem os verdes agraços


medicinal, a farmacopeia etérea
guardada na cavidade da rocha
mergulha com soco violento como cai
a noite. carregam sobre a árvore os
batedores fustigam furiosamente os frutos
na lixívia abrasadora dos rastos
inscritos no bronze, moldam as marmóreas margens
à espadeirada. quem vergará os gonzos...
ajoelho-me violentamente sem esperança,
praias e praias vazias varridas do vento
impiedoso. marés violentas de bronze.
sangra o tronco num impulso de graça

o puro orvalho da manhã de damasco


a noite não nos quer dizer nada, adianta
caminho, cruzamos todo o ouro no terreiro
seco. não chega o espaço, o algodão arde
em fúria, cai o metal do desejo em chuva.
a mãe em busca dos filhos levados no rio,
os seixos do rio cegam na transparência,
afogados em pureza, cegam, aquecem
o peito das crianças expostos ao esbanjamento
do sol, a estocada do escultor no peito da vénus
de calcário cega. sob os arbustos a sombra
das silvas, o xisto que enche a bruma ampara a
frondosidade do carvalho, marca a chegada
da noite final da terra lavrada em torrente

de fogo, o fogo que não se consome.

Anos sobre anos de leito em leito
Sem mover o pó que envolve as coisas
Entre regos silenciado rio estreito
Do segundo que toca mas não poisa

Vogam o horizonte os vagos olhos
Divisando desvendá-lo no vento
Mas se ele amaina e seu sopro perde a voz
Voltam costas em busca do momento

E os passos esses passos dão lhe vantagem
Atravessa as casas praças e ruas
Não sucumbe à paração do pensamento

Foge perdido sem cruzar ninguém
quando muito cruzado a temor por pernas nuas
que as águas crescem no caudal violento

a favela


a favela é o maior arquivo de arquitetura popular
do mundo. é um património que deve ser preservado.
é uma composição cubista e por vezes plasticista
 porque a unidade básica é o tijolo e a lage.

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...