31.5.12

Quem dera ter tido um amor


Não tenho nenhuma paixão de longa data
que não vejo à décadas por que os nossos passos
se separaram mergulhando na melancolia
de doces memórias a reviver um dia

não conheci a garota na força da juventude
abraçando-a numa prisão de loucura e músculos
nem chorei depois sem forças a nossa partida
porque não conheci, moça, mulher ou rapariga

Mas abate-se sobre mim nos fins de tarde
quando a solidão aperta nos prados verdes pardos
uma espécie de triste vontade que me afunda

de ter tido no passado um amor por quem pudesse chorar
alguém a quem quisesesse de uma forma tão profunda
que me levasse a implorar, implorar, implorar

Brasil Fora


A estrada vai cruzando a mata por entre montanhas
e vão se sucedendo as aldeias todas pobres de cores garridas
com seus letreiros flashes de móteis e igrejas evangélicas
as gentes sempre iguais derreadas transportando secretas cargas

Cachaça e Tim Maia


Desce até à mureta da Urca vem afogar
as mágoas nas águas paradas da Guanabara
entre as barcas e os reflexos e o lixo e as algas
desce depressão afogada em cachaça e Tim Maia

vem chorar sozinho o final do Carnaval
vem chorar afinal mais um vice conquistado pelo Vasco
vem chorar sem consolo só chorar, chorar, chorar
e em lágrimas tanto desgosto afogar

É mais funda a tristeza de quem está triste
e convive no meio de tanta alegria
Carioca é um povo que assiste todo dia

à profunda turbação da alma que desiste
de ascender ao patamar da felicidade maior
se afoga sem amigos, sem paz e sem amor

Caganeira no duche


ao terminar o duche, já tinha a mão na torneira
tive vontade de mandar um peido
naquele segundo de dilatação do esfíncter
sem fazer qualquer tipo de força para que o ar saísse
senti algo que aflorava
não tentei prender, uma caganeira líquida respingou todo o box
deixei a água fluir arrastando pedaços de antigos jantares
fui limpando a superfície usando os pés para empurrar a água cagada
enquanto lavava de novo o rabo com um sabão branco.

Tempestades


Os espasmos do vento na cara da imponente escarpa
escapam-se pelas paredes, varrem os valados
e caem pelos pelos abismos em vertigens loucas
e ganham nova vida nas florestas de folhas

rasantes rasgam a superfície dos lagos
espalhando convulsas palmas e uivos bravos
sempre que as rugosidades vibram
ou os planos se abrem em rasgos largos

e os afunilamentos se desengolfam brevemente
em amplos espaços de céus dormentes
e os sufocos expiram agudos se tornam graves

e fazem ribombar nas frentes mornas
que sobem fétidas das tristes cidades
inclementes e luminosas tempestades

Desempregado


Uma espargata de dor bem esticada
Ao centro até que os côcos vertam
O leite macerado de uma vida inteira
Atrás duma escrivaninha lavrando

Os desígnios dum tal mestre de lavores
Ufano de cabeleira de chumbo sobre os teus
Ombros carrega o fardo de olhos postos
Na recompensa um fardo de palha

Empina-te ao sol de Verão  e malha
O brio o brasão a honra da familia
Um carimbo na testa o orgulho o frontão

A ruína adivinha-se pelo cheiro a milhas
E milhas num sobretudo bem sovado
Pelos ermos da cidade ofega o desempregado 

Calmaria

O mar brandindo sinas quase sem voz
Nos raios e trovões da noite escura
Traça um raio de lés a lés na carne
Um trago sequioso de água salgada
É a certeza de um caminho já provado
De estrela em estrela pelo abismo dado
Em que se perdemos a certeza
Foi dos olhos cegos pelo arpão da besta
Um par de cornos sentado na proa
O passadiço bem lustrado de joelhos escova
O cabrão como quem maneja o leme
Dorme nos vapores do brandy
E sente o peso da peste hasteada
Nos mares nauseabundos da calmaria

Salmo 4


Sangrem os olhos por trás dos vidros
e o vermelho nos vidros é o soco que fica depois
do acidente como um caco velho
gingando na ferrugenta cicatriz
o sol dura um segundo e um grito
rasga toda a pele ano após ano
o embate dos cinquenta deixa-nos sem fôlego
uma vida toda para isto
morremos tantas vezes
sempre com o sobressalto da primeira vez
a morte traz-nos jovens
mas o nosso corpo reclama pelo conforto da putrefação
Que a luz nos atravesse cheia de graça
Senhor leva-nos jovens

Salmo


Oh bela cruz que cravas na terra
E me gravas nos sinos
Hás-de-me lançar nas eras
Por altas serras rasando os pinos
E arrastarei até ti num beijo
Os loucos, uma ou outra espada
Umas crianças vestidas de branco
Pedaços de reis e mil velhas de joelhos
Tudo se queime na tua presença
Como mirra fragrante

não +e


Não é assim também a natureza?
Terra, terra, paus, raízes ervas pedras
Muito de raro uma flor no meio da água
Ou no céu de tanto sufoco talvez uma estrela
Bem definida no meio do nada
Que tudo a si atrai como algo que podemos chamar
Como no meio da palha uma palavra

Salmo

Roturei a terra com o rosto retesado
como cangalho o meu corpo
Seco ossudo burro terra pó e sol eu sou
Lavro dia a dia os campos do Senhor

24.5.12

Maranhos


Lusaglória


Passou já a nossa hora
e o sétimo dia dos nossos feitos
prolongou-se enfim pelos séculos
e durante o nosso sono
roubaram de nós o mar profundo

e nem assim despertou em nós a angústia
de tão moribundos
fedem a morto as palavras dos antepassados
e passamos a saudade nos sovacos
e ri das nossas quinas a europa sarcástica

Brás

Oh Chelas! Oh Chelas!


Esquecida num canto de Lisboa
és o bairro da igualdade
das vistas do Tejo nos altos dos prédios
a tua espinha de feira
um relógio semanal
uma fartura
ouvem-se os tiros, ouvem-se os negros
um romeno e um baiano
tacanhas avenidas que tentam separar a gente
tuas escolas tristes entre baldios
terra do mundo do continente africano,
europeu e americano,
terra de velhos fadistas
cruzam-te agora os calções hipoppers
terra da rtp do rock in rio e dos ciganos
canaviais ao vento um pobre relvado
terra modernista de células e bairros em letras
um céu de gaivotas imenso
cafés da gente feia e dos arranha céus compridos
das igrejas evangélicas e dos galpões vazios
uma pedrada na vidraça um barracão caído
filha de retornados
em fato de treino encarnado
velhas de sacos
conversas de velhos com velhos
e jovens conversando com drogas leves
cortiço antigo sem filhos
um dia correu em ti um rio e um carreiro de monges beneditinos
escarpas que dás á cidade esboroadas à vista do aeroporto
cidade dentro da cidade altaneira e sombria
teus versos de miséria o governo silencia
tua vontade de chorar o povo desanuvia

O Poder da Terra


ninguém menciona o poder da terra
a arte da vida devidamente enterrada
os rasgos de bocas sequiosas que brotam
as cores ocres prenhas de vontade

vomitam lentamente todo um carvalho
cagam em direção aos céus grossos sobreiros
arrotam penedos, mijam minério
e descansam brutas de costas ao sol de inverno

devoram mares, rios, grutas de gelo e fogo
fecham os olhos aos animais afundam
o sol no horizonte com desprezo

a terra transpira vida morta
morde a chuva ...

Vera Cruz


São ideias sem conexão
mas suscitadas pelo mesmo paredão granítico
um império imponente das selvas erigido
e a moral que como as águas do alto se despenha
da mesma pedra a estátua e a mó se lavram
na mesma penha uns o seu topo alcançam
outros lá do alto se despistam
a mesma pedra no oceano se afunda
e afunda o peito entre as nuvens
e o sol de frente olha
do âmago da terra é filho crescido
O pão de açúcar acompanha lá do alto
as caravelas compadecido
dum povo que avança estarrecido
que no novo mundo a pisar se atreve

Orlando Tango

Lutos e Sungas Negras


Em sinal de respeito pelos fascistas camisas negras, por todo o povo cigano e ainda pelas viúvas enlutadas só uso sunga negra e recuso-me a discutir com alguém outra qualquer possibilidade.

Da preguiça à Macumba


No fundo eu sou um grande preguiçoso e só faço o que me dá prazer. Felizmente algumas coisas que me dão prazer são vistas pela sociedade como sendo trabalho. E por essa conjunção de pontos de vistas em relação ao leque das ações humanas, públicas e pessoais, e respectiva valoração monetária, ainda não morri de fome e posso encher a cara nalgumas sextas-feiras do mês.
Agora não venham é com merdas de burocracias, porque isso é obrigar-me a levantar o cu para coisas que eu dificilmente compreendo para que é que servem e para rituais enigmáticos já disse que não dou um tusto para burocracias, maçonarias ou macumbas feiticeiras vão se todos cagar dum precipício acima.

Vidas de Merda


A minha vida são estas águas. Sentia-me como um cagalhão de pois de darem a descarga, turbilhão e um sistema branco, duro e frio que se regozija com o meu afogamento. Ficaram só com o meu cheiro que é como quem diz a minha identidade e recambiaram-me para outro setor na esperança de nunca mais me voltar a ver. Por isso admiro a boa e velha latrina, a terra abraça a merda mas constrói algo com ela. Eu trato os outros como merdas mas abraço-os assumo o seu cheiro e segredo-lhes ao ouvido : “juntos venceremos”.
Em casa do meu avô havia uma torneira de descarga sanitária que dizia qiluvio. Em criança eu partia a cabeça tentando desvendar o significado, pensava porque não seria quiluvio, o que queria dizer, com os anos deslindei a possibilidade de ser diluvio ao rodar a torneira e ainda hoje penso na maldita palavra, penso também no diluvio vetero testamentário quando a ira divina puxou a descarga, talvez esteja próximo uma nova limpeza da face do planeta. Vários indícios históricos e geográficos atestam que houve um dilúvio à escala planetária. Recentemente um grupo de cientistas defendeu que os gases dos dinossauros contribuiram para aquecimento global. Penso que diluvio tambem contribuiu para uma renovação do ar.
Penso que vi aqui no Rio de Janeiro uma freira que costumava ir à Missa em São João de Brito. É baixinha e duma velhice louçã que as pessoas de Deus são conservadas numa espécie de juventude sorridente, lembro-me que ela costumava fazer a leitura antes da proclamação do evangelho e muitas vezes fazia a leitura da oração dos fiéis e que na altura de pedir pelos rapazes e pelas raparigas para que encontrassem a suas vocações, ela substituia a palavra raparigas por meninas porque raparigas no brasil se refere a uma mulher prostituta. Lá ia ela na Lapa perto da igreja do Carmo. Sempre sorridente atrás dos seus óculos redondos.
Se o tempo vai passando cada vez mais rápido, entreguemo-nos ao tédioe ao desleixo que hão de tornar a nossa vida mais longa.

Sobre o Terror


Qual será o maior terror? Cada tipo de local tem os seus medos específicos. Quanto mais se nota que o tempo devastou um lugar, maiores as possibilidades que nele se tenha instalado algum tipo de malignidade ou bondade, sim refiro bondade que pode ser tanto ou mais assustadora que as manifestações malignas.  A ancestralidade e a decadência provocam em nós um temor, também tudo que que se encontre num estado mais selvagem. O desconhecido tem um ascendente sobre nós. A desordem tem quase sempre algo de desconhecido. A desordem pode dar-se em vários aspetos, um lugar pode ser muito organizado físicamente, um claustro mas som estranhos ecoam nas galerias como sons chicotadas extremamente fortes num ritmo acelarado ou o som de multidões de vozes dando indicações avulsas num tom monocórdico sem que se saiba de onde vêm as vozes ou se todo o claustro estiver submerso debaixo de uma água verde ou se ao atravessar o claustro de súbito os céus se põem num lilás surreal entrecortado por clarões esverdeados ou ainda se de uma escadaria no centro do claustro que leva às caves começamos a ouvir alguém que chama em sussurros clementes seria também uma desordem se das portas que dão para o claustro começassem a sair lentamente várias bestas felinas de todas as raças que no mundo existem e ao deixarem a sombra das galerias subitamente se atacassem umas às outras com rugidos ferozes.
Sempre que mudamos de meio sentimos uma excitação. O hábito dá-nos um controlo cada vez maior sobre o que nos rodeia. Perder o controlo da realidade é um fracasso ou descuramos a nossa racionalidade ou perdemos a rédea da nossa emotividade.
(por isso nos provoca repulsa a avistar súbito de uma serpente, é abstruso um animal sem pernas e que não faz qualquer som que denuncie a sua presença). Por isso nos assusta profundamente se o telefone toca a meio da noite, felizmente tenho o sono pesado e nunca fui perturbado por tamanha irracionalidade. 
"Sim, com Deus! Liberdade , vida nova; ressurreição de entre os mortos! Que momento glorioso!"

22.5.12

Dostoyevsky na Prisão

é o mais careca

Cordas e Corpos


memória enforcada que o corpo
não absorve trauma despenho
da lava ribanceira de fogo
que mar não engole doença da alma

um segredo na lama pantanosa
um miasma de osso pulverizado
violência esquecida no esqueleto
que geme pranchas sob suas botas

o ânimo rompe em lascas de lágrimas?
o corpo dissolvesse em ácido rancor?
espinal medula exposta ao vento da vergonha

o despenhadeiro derradeiro da corda
que balança perto do candeeiro medonha
o retesar do pescoço o cordel estoura

Diniz Giz

Trip Luso-brasileira ou Brasa Lusitana


bebe bebe bebe leve cada vez
mais leve
quem se atreve a questionar
os homens que estão em greve
sem trabalho sem comer
sob o sol ou a chover
mil homens são um homem só
figura decadente um traste mete dó

de que estamos à espera
que passos estamos a dar
que vamos tão apressados
os olhos sem se fixar
corpo de máquina sem falar
que ímpeto tão cego te leva a caminhar
e de súbito aceleras
pelos corredores afora
todo engravatado
o rosto esbaforido
um ar desconsolado
técnica, técnica
desenvolvemos tanta técnica
que já nada fazemos que tenhamos de usar as mãos
e andamos tristes se as coisas não chegam ao correio
e acreditamos que toda a felicidade se compra com dinheiro
e corremos para o metro e não queremos suportar o nosso próprio cheiro
falamos rápido pelo telefone e embasbacamos entre companheiros
não aguentamos e não aguentamos a líbido dispara na internet
mas nunca tocamos numa mulher
não aguentamos as defesas caem online e abrimo-nos à loucura
mas nunca afagamos uma nuca, nunca beijamos uma boca, enfiamos a touca
não quero mais dançar o tecno não quero dançar eletrónico
eu quero dançar agarrado a uma dama eu quero dançar o forró

II

aqui estamos olhando atentamente os calcanhares
curvados em prostração reverencial
e nem nos atrevemos a levantar o olhar
elas bailam e nós veneramos
são as passistas no calçadão
que passam de patins de ar distraído
shortinho curto e cai-cai
com os fones nos ouvidos em plena abstração
passam loiras passam morenas
passam índias passam mulatas
e os nossos olhos giram presos de admiração
vergamos as cervis pasmados
vivemos presos de tal imigração
passam alemãs passsam chinas
passam brazucas passam irlandesas
quase deliramos com tal manjar rodopiante
que por nós passa veloz
que por nós passa sem olhar
de olhar semicerrado
com o queixo empinado
e quem nos dera saber patinar
e partir na sua esteira
e caçá-las em movimento
e amparar-lhes a cintura
suste-las no ar um momento
a brilhar no calçadão
deslizando em copacabana
patinando ipanema

III

daqui prá frente só fica mais penoso
uma já foi uma outra aguarda à porta
que te facilita o caminho e o torna mais prazeroso
uma é difícil a segunda é custoso
a décima ainda deixa culpa a vigésima é um jogo
mas o abuso vai apagando a imagem
do que foste e não és mais
és um adulto com cara de puto novo
com um peso na consciência
que dia a dia fala mais rouco
que cada dia a dia fala menos e te vai deixando louco
o castelo vai crescendo à tua volta
pedra a pedra te foste cercando nesse calabouço
agora estás sozinho
gritas alto mas não te ouço
vais morrer sozinho meu grande mentiroso

estamos a falar claro?
ou temos que falar mais alto
sentiram o nosso encosto
ou temos de espetar a faca
vejam nossos olhos raiados de vermelho

pal palmas
pal palmas
sal saltem
sal saltem
o dia dontem não vem
o dia dontem nãovem
sal saltem
homens ao centro
meninas na parede
pa parem
pa parem
não olhem
façam o que vos mando
não pensem

vamos caçá-las
as caçulas
sol sol
que assolas
os casulos das borboletas
e das

eu vou cantando o que sai
o meu amor não é firme
é flexivel como chicote
quando estou a vir-me
embora dou-te um beijo no cangote

IV

e já na noite rodeado de cuícas
sons estranhos dos becos e avenidas
tento fugir dos ladrões e dos polícias
me enfio por entradas e me perco nas saídas
o dorso do meu cavalo
prateado do suor
de correr atrás do amor
é um sinal minha amada

e nos céus tingidos sangue
um passarinho avoa
é um coração exangue
sob os telhados de Lisboa

falo de amor mas não sou que falo
é caetano e chico juntos
é bowie e lenon na casa
que nunca namorei neste mundo

a filosofia abeira do precipicio
faz-me suavemente balançar
prefiro umas mãos que em silêncio
carinhosamente me venham empurrar
caridosamente

V

caixa de lata
chocalha
com os tostões
negócios falhos

pobre portuga
largado
pelos mares do sul
já do sol tostado

o lusitano
casado com a mulata
de sunga e chanata
virou baiano

virou o vira axé
e o choro era fado
agora só come filé
farofa e feijão no sábado

trocou o azeite por mangue
e as rendas por cipós
cruz de Cristo no sangue

lalalalalalalalaços
que nos prendem
laalalalallalaços
de sol e luz
como espantalhos
fazemos o que nos mandam os céus
lalalalalaços
voamos entre as ávores
como as nuvens entre as montanhas
somos espantalhos
amassados de velhos trapos

cangote do corpo amado
a que apoio nos dias maus
cangote abençoado
onde assentei arrais

és um porto seguro
um abrigado cais

VI

caveira de rubi
onde prescruto o passado
o meu futuro entrevi
que o destino está traçado

entre as ondas dum tesouro
em que encontrei tal caveira
busco um artefato outro
que mude a dianteira
do meu novo convertivel
converta-se arrependa-se
arrenda-se esta morada
esta casa da alma

GNR e Chocos-com-Tinta


ouvindo GNR a caminho de Tróia
sinto me portugal sinto me insular
sonho lusitano sonho bailar
sou um reininho se vou a tróia

e agora instala-se a Troika
é uma cadela putana Tróia
que antra por trás
se a noite vem
se ela se vem fica mais louca

é Sesimbra ao longe
é uma barca
afunda-se o sol
sebastião salgado
o sol afunda
no mar salgado

descargas de choques
no porto de setúbal
choques de tinta
laranja e rosa
bloco na estrada
bloco na cavidade do dente central
devoro a carne toda
resvalo na rocha

Venham as Febras, Venha Mostarda


venham as febras, venha mostarda
salta a cancela, faz-te à estrada
foge com as cuecas na mão
que o país nada tam na mão
e tenta caçar-te pelas cuecas
como à tua prima
que foi caçada em contribuições
faz-te ao mar
e não olhes pra trás
engole o oceano se estiveres com fome
vive na praia
agarra o último camarão
antes do pôr do sol
e se o papão tentar segurar o bolso
morde-lhe a mão
não te prendas com as dívidas

Nada sem Ar


nada se entende nada sem parar
que quem nada não se afunda
e se em nada se afunda
já mais se afoga

quem escreveu esta barbaridade
prendam este selvagem
abracem-no na esquadra
que lhe sirva por muitos anos de estalagem

despejem mosquitos e outras pragas
nas frinchas da janela
tirem-lhe o ar

Tragádias


maremotos de lágrimas
coados num boletim de tragédias anual
quero engolir os teus mosquitos agora
apreciar as crostas de sangue ressequido nos pulmões
oh morte adiada em frigoríficos sociais

Abat-jour de Enfartos


um abat-jour de enfartos
uma malga de ácaros
e um relógio que bate em retirada
os passos sobre a água das pombas
fedem
fedem
os canos nas trapas
fedem os canos pluviais das casas
choram os líquenes nos beirais
e ao fundo as paisagens desfocadas

Mosquito Dengoso
"não era sarado, subnutrido"

16.5.12

Eu Morro da Providência


posurbano pseudoimigrante com um pezinho nas pistas de dança


os ban a delapidarem o bowey
e os heróis do mar a cravarem em não sei quem

dá me um ideal
meio arraçado
dá um ideal
de cigano

não engraçado
dá-me um abano
escorraça-me do país
põem me num chaço

dá-me um abraço
e despacha-me pra outro país
esta crise não se aguenta

vou sair de boteco em boteco
refazer os nossos passos

deixa-me surdo
deixa-me surdo
por um segundo
deixa-me surdo

entre os tanques de sangue do mal
caminho de postos no sol lá no alto
de ficar da sua luz não tenho temor
guia os passos faz me ir até ti Senhor

Cague de procurar um país para morar
nuns dão-me trabalho e despesa
noutros não me dão nada
brasil, macau e dubai, angola ou dinamarca

sensação de aperto uma vez mais sem grana
aperto o cinto já todos os ossos sinto
onde outrora corriam sonhos agora só vejo problemas
e tento em vão socorrê-los mas eis que se afogam
em mais uma caneca de cerveja

deve ser isto a idade a adulta
um desejo de comodidade uma vida sem necessidade
quem me dera aposentar-me e não ter de pagar a conta

mas por todos os lados me chulam
não aguento mais a afronta
vou mergulhar na próxima onda
vou fugir mar adentro

cada passo mais um pedaço
de carne cai no asfalto
deste caminho sem esperança
deste futuro sem brilho

um dia acabas os estudos
e no outro já tens um filho

chamem a polícia dos trabalhadores do comércio
foi uma referência no último trabalho dos Franz Ferdinand

se quero te fazer leve
ergo-te pelos calcanhares
elevo-te

Plantas Nocturnas


madresilvas
águas vivas
petúnias vulvas negras
mantas bafientas capas negras
paredes molhadas de nevoeiro
à luz esverdeada dum lampião
na sombra esmia um gato preto

Punk Portugal


é pá põem o som no máximo
jinga com o baixo
matraca a bateria
e faz voz grossa
benvindo ao punk portugal

vem garina mais destinta
cheia de pinta
brincar no meu jardim

vem beber um café
vem brincar no meu bidé

quero partir antes dos 40


não paro de tossir
deste ar enfermo de lisboa
que me oprime a cabeça
e me arde nos pulmões

Esta cidade é só mamões

vou partir quando tiver guito
vou juntar pra abalar
não me venham convidar pra ir ao bairro
quero partir antes dos 40

Amores Marinheiros


parte o navio no azul do céu
e um tapete negro de sargaço
mergulha à noite em solidão
São Martinho tarde de Verão

incandescente ao alto o farol
ajoelhadas rochas de mexilhão
pesam me na partida
os marcos familiares da ilusão

Amor por amor enjoa
ai mar pelo mar me envolvo
até nas fozes penetrar
e conhecer os portos sem destino

minha saliva é salgada
e doces minhas lágrimas
meus tesouros os trago no barco
minhas penas as largo nos rios

és meu mediterrâneo no azeite da pele
e no hálito de manjericão
o brilho do mar no cabelo ondulado
e um suave jeito de ceara

uma brisa evocando portos
perdidos em praias rochosas
o colorido de casas simples
aninhadas no céu mais azul

Eu quero o Inverno


Começa agora a primavera
e a andorinha agonia-me a manhã
o sol rebenta-me nas têmporas
e a chuva destroi-me o fim do dia

eu quero o inverno
eu quero o inverno

febre dos fenos e picada de abelha
a alegria irritante dos vizinhos
os putos em casa sem nada para fazer
e do Verão nem quero falar

eu quero o inverno
eu quero o inverno

carnaval é sempre igual
e a cachaça o mesmo vómito
dêm me tons de vida cinzentos
dêem uma vida banal

BR 110


Benvindos todos ao barraco do amor
vão tirando as camisas
no cabelo prendam uma flor
sintam na pele as doces brisas

vou percorrer a avenida Brasil
de Iguaçu ao amazonas
por companhia os micos e as anacondas
atravesso o continente num ritmo febril

ao som do funk e do pagode
ao som do forró e do axè
maracatu no mangue
sertanejo no meu sangue
samba e xangô

vou percorrer a brasil
desço aos beijos a espinha
da minha mina
br 110 é minha vida

Onde está o Bardo


que guerra é esta sem armas
onde hei-de feri-los para que morram
que angústia é esta que me alimentam
que tentações são estas com que me calam

onde está o bardo que nos afogamos
está bêbado lá no porão
chorando velhas batalhas
com os sentidos de plantão

Post Title


corre corre entre as ruas sem luz
adivinha as esquinas no bréu
é o caráter falhado
mais um beco fechado

ouve o arrrepio dos gemidos
vindos das janelas entreabertas
sem vida
os gemidos do desespero

mergulha na cegueira urbana
atravessa a fronteira
e deita-te no passeio
com o pescoço na soleira

e sente com alivio
todo o peso da nação que estaciona
na faixa proibida
da esquina e te arrebenta
o pescoço sem que ninguém veja

partes o cordão em silêncio
um último passo rasga a última fímbria
de pele que te envolve a vida
e a espuma derrama-se em borbotões convulsos
na libidinosa língua de alcatrão

Lúcio Ferro

pingo


pingo nos tanques de água gelada
uma gota pequenina na nuca da serra
que se arrepia e solta pelos vales
as neblinas que envolvem as matas

Ohs


Eu sou a ventania entre as vinhas
eu sou o socalco da cereijeira em flor
oh passos perdidos sobre o horto
vem salvar-me oh Redentor

perdido nos terreiros
ecou-o nos vales sem chão
porque eu sou filho pródigo
vem a mim oh salvador

12.5.12

Guaiamum


A banda deste Verão xx/08 = xixis Agosto

Hino

a garganta da viela sugava o tom laranja da iluminação para um negrume húmido que envolvia os passos que se vão tornando mais silenciosos quando deixam de ecoar nos muros da viela para se perderem na imensidão aberta ao espaço dos baldios. saímos do conforto urbanizado que nos encarreira o vaguear adentrando na amplidão dos terrenos selvagens, são eles que suportam a cúpula da noite, transpiram de orvalho o peso milenar das estrelas que os subjuga como a um escravo de uma grande rainha que lhe toca no manto e lhe decora a beleza distante sem nunca lhe tocar.

Orlando Tango

Petiscos

Quem consegue dormir o chinfrim
do homem do lixo às 3 da manhã
quem consegue dormir
com um corpo morto ao lado


botecos ao sul do equador
onde a vista não alcança
lonjura da selva tropical
a proximidade do que está a mais
árvores, lianas, cipós

Fossas Marinas


antes de nos irmos quero te mostrar
tudo o que podiamos ter feito
antes das mãos do tempo nos separar
quero prencher o fosso

antes de ires
quero que saibas
quem te pariu
pra que não caias

antes que saias
quero que vejas
quem são os teus pais
e que não esqueças

quem foi a terra
se foi do ar
dentro da água
não há mais mar

A Mulata e o Tuga


Mulatinha curvilínea
vem ser minha rainha
me ensina o carioca
que eu te ensino
O luso egrégio
mulatinha linda
você me tira do sério
você me tira da linha

Filipe Elites

De Partida

Se me cheira a compaixão faço-me à estrada
nada me detem nem sequer uma lágrima
ponho os pés no chão e a vida numa mala
vou partir sem pensar adentro da madrugada

e se no nascer do sol ouvir
os lamentos esparsos da passarada
tingidos os pensamentos doutra vida
as memórias duma pessoa amada

assobiarei ao céu distraído
para afastar do coração os fantasmas
para o brasil vou partir
não me esperem para jantar
eu depois mando umas cartas

Zé Chove

Pregando


A glória derrama-se sobre os que a não procuram
Os que caminham alegres entre os fracos e esquecidos
Os que abraçam a pobreza como a um filho querido
e a alegria os envolve como uma perfeita carapaça

Sôr Flamengo

Olhar D'Onça


os olhos da onça furiosa
que agora me estão a ameaçar
se os vira naquela hora
nosso namoro nem iria iniciar

como é que tão manso olhar
respirando tanto amor
vira depois fera tamanha
quando sente o temor

Ses

oh tua poesia é só ses
como se tudo fossem indefinições
se assim não fosses
eu não teria ilusões
seriam certezas as nossas preces
e mais concretas nossas paixões

Nicolau Divan

Quadrilha Trovão

agarrado à àgua de cana
ensinava toda a menina
a dançar soltinha o Baião
de mossoró a João Pessoa
lá seguia quadrilha
com o fogo na alma ardendo
todo mundo dança maravilha
ronca a sanfona embala a bomba
salta larga o sertão
larga no céu o trovão
ai que aí vem a chuva
muito obrigado São João
já entoa toda população
num glorioso rojão

Loa Retirante


retirante era uma trabalhador da terra
quando a safra não é boa
o sabiá não entoa a sua loa
cantando o seu rojão o retirante
a erva cresce à toa
como se fôra da terra o sangue
fluindo em direção aos céus
em mil rios verdes de paixão
e um tio caipira meu

Capim Novo


certo mesmo é o ditado do povo
para cavalo velho o remédio é capim novo

1111111


a enxorrada do medo
inundou o açude da solidão

8.5.12

Forte da Baralha


Como se uma bala me atravessasse o pulmão do meio

Vamos ser Rococós
vamos dançar num baloiço de corda
à sombra dum alto chorão
vamos ser rococós
endireitemos os bosques
de cócoras e calções
às curvas, sempre com as cabeleiras encaracoladas
Por entre as copas das árvores brilham ao sol decrépitas
cúpulas de abandonados centros comerciais
Mas havemos de pintá-los
com doces capas de açúcar rosado
chuparemos todo mau gosto das populares amêndoas
de Páscoa, que asco
Os esqueletos decrépitos das torres emergindo
de fumegantes pântanos
Os chimpanzés catando harmoniosamente o cocuruto
do meu filho cedendo para deleite da minha mulher as lêndias mais gorduchas
exibindo a sua dentadura sorridente.
O meu sogro caga num casco enferrujado
E eu meio abichanado descrevo tudo
nas minhas mangas de balão enfunadas
em tons de lilás, azul cueca e verde esparregado

Natural de Bensafrim

Oh bendita safra enche meus bolsos e meu ventre.
Oh céu que chova no meu casamento.
Matrimônios molhados e sopas de bacalhau suado.
Oh rita não me irrites 'stou farto de fado
Rita sinfonia incompleta e insatisfeita de experiências
musicais e delírios sexuais de câmara. indecências
Rastejo exultante com as trombas serra abaixo
brilham as luzes dos barracões onde se bebe
Quem me Rita e me enfarda o ventre não percebe
Porquê festejar o que já está morto? bebe, bebe

sonhos

um sonho sobre uma festa num morro verdejante, uma tenda ao alto, o casal recem casado o safadinho que se mete com ela, ela engraça o marido começa a bater e ela expulsa o marido e fica com o outro a brincarem como crianças, tudo como crianças qual é o mal...

o final termina com uma viagem de comboio voltado para o céu admirando uns reflexos de luz loucos e antigos.
e aquele sonho dos operários que construíram um empreendimento na Barra pelo qual desenvolvem tal amor tal paixão que decidem não abandonar o prédio e lutar contra os legítimos donos.

queimaduras degelo

A tua pele escaldante sobre a minha mão pesada
Esconde-te na sombra do meu peito guarda-te
vamos entrar no mar e arrepiemo-nos no gelo de nós dois
Jorge era uma calçada dura de obstinação e trabalho árduo.
A maioria das vezes serve para pisar mas, nalgumas tardes o sol puxa-lhe um lustro que cega os transeuntes.

Canção 2

Yeh yeh
um rosto carregado
yeh yeh
um rosto carregado
se a queres convencer
se a queres convencer
vende-lhe a alma
em troca do olhar
vende-lhe a alma
em troca do olhar
vai rapaz
pela noite
pela noite
vai rapaz
de alma carregada
e rosto sem olhar

Vasco Vides

Pão de Forma

O amor entre os dois começou a tomar forma. Uma forma de cama.
Uma cama atravancada de filhos e um cão pesado.

Post it

--Não julgo?
Claro que julgo, meu amor. Um juizo pessoal trespassado de carinho.
Porque é que será melhor julgar que não julgar?
Não estará embebido numa fragrância de indiferença a suspenção do juízo?
Será que estou a defender que julgar é bom ou será que ajuizar é o último limite que me é permitido?
Não pretendo condenar. Ou melhor condenarei apenas a categoria do acto, jamais a consciência ou a disposição alheias, compreende querida?

cançonetas

untam-se as peles suadas
mistura sensual de tempêros  
no fogo ...


é um hábito que vai dando na gente
de a cada passo da vida cantar

amor desde que te vi

Não ferem os cornos do capricórnio
não existem mas ferem só de os ver
não perfuram os dentes do vampiro
delírio tal criatura mas arrepio só de ver

adeus que me quero ir
o tacão de madeira sobre o soalho pautava o ritmo da tarde sob um zunido baço de automóveis preguiçosos no início de tarde pesada de calor. A mulher com saia dançando nos joelhos reacertava pela décima vez com o mesmo carinho o ângulo do vaso dos antúrios

Mai La Manga Da Camisa

6.5.12

Relação Satélite


O planeta está de cuecas
exalando um odor de final
de fim de semana sem banho
não está barbeado o mundo
e a lua reclama
com o glamour duma dama
que se enfurece com o homem
que tarda em sair da cama
é um mundo à beira do divórcio
é um mundo mergulhado no ócio

André Istmo

Um Dois Crack Samba Alucinado


vou largar minha casa
não vou voltar nunca mais
um dois crack
vou partir para nunca mais voltar

minha laje na favela
minha chapa no meio da rua
meu cantinho sob a ponte
eu vou queimar meus laços

de Mangueira à Guanabara
o que me pagam para exaltar?
ponho meus versos à vossa disposição
é uma arte comprada à quem diga adulterada

venham escolas de samba
venham síndicos ou palhaços da Grobo
estou aqui se você quiser comprar
uns versos sentidos sobre o vosso bairro
ou sobre a vossa cidade

adivinho o que a opinião pública quer
é a sacanagem, politiquice e papo de mulher
é o futebol, religião polémica e artista da tV
é do clima e dos favelado é a desgraça alheia

de tudo isso eu falo
de lágrimas nos olhos
e solto um sorriso bacana
se voceis me der sua grana

O samba voou
abriram a janela
da sala da casa
de tijolo
no alto do morro
o samba voou

O samba desceu o morro
e a cada curva chiava a cuíca
cada baixo é um passo dançado
e a guitarra é o sol lá no alto

Nem Mar

Piropos Tropicais


meu bem
minha babe
meu bêbê
minha maravilha
minha linda
mulher do meu carinho

você me deixa perplexo
você me deixa perturbado
você arrepia meu caminho
você me deixa aluado

mãe dágua do meu amor
represa do meu sentimento
na alta montanha
onde degela meu coração de pedra
em cascata risonhas
se despenha o meu amor

vou te pôr no carrinho das compra
vou te levar ao preço do filé bovino
vou te embalar junto com chouriço
e é só te procurar na geladeira
sempre que eu te quiser comer

fresquinha como folha de alface
docinha como uvas acabadas de colher
tu és o alimento da minha vida
tu és meu arroz com feijão e farofa

e se sentir de madrugada uma sede
irreprimível sede de Verão
vou te buscar de pijama
e como leite ou suco de ti eu vou beber

Nem Mar

Delírio Sazonal


Arlindo cruz, zeca pagodinho hey
chico buarque, beth carvalho
eu vivo entre génios
meus altares a caimi e a gilberto
espírito de adoniran e jamelão
um banho frio em copacabana
em queda livre do pão de açúcar
todas as favelas crescem
os génios desaparecem
e as favelas crescem
a corrupção queima
arde na tatuagem da menina da barra
vigía do alto do cristo
como um urubu nada me escapa
toda a podridão escorrega até a guanabara
todo o caveirão dispara se a noite tarda

São as visões do portuga
são delírios do portuga
as miragens do lusitano
a palavras do manel e joaquim
este é o país do futuro
estão cheios da grana
este país continental
dos santos no inverno e o natal no Verão

Sôr Flamengo

5.5.12

Novela


Algum dia viria a conversinha
do costume sobre o amor exigência
dos sambas que eu sempre tentei evitar
aqui vão algumas ideias

insensato coração das 9 às 10
telejornal algures durante a janta

Casa da rosa no domingo ela sai com as amigas
um suquinho de acerola no leblon
apartamento na barra ela é barra
um passeio no barco do eike
café del mar no sábado
meninos de peito depilado

e buço loirinho
corpo sarado e vestido curtinho
morena, ruiva, loira ou marron
depende da estação do ano

Sor Flamengo

lascas


a tirania dos apetites descontrolados
confunde o entendimento
comprime a vontade
afunila as decisões

o amor destrói os tiranos de coração

insensatos, loucos, mentes fragilizadas
mentecaptos, desviados, estultos

Mangue


Medos e Mares


Até me tremo todo
de pensar entrar no mar
e ser recebido com frieza
recebido num abraço gelado

e sentir-me na sua ferocidade
um filho pródigo
nunca de mim estar certo
e que o seu julgar sobre mim venha

como ondas do pacífico louco

que medo hei de eu ter da morte
é um transe dum segundo
uma faca destrinça-me a medúla
como o vento quebra um mastro

Orlando Tango

Rádio Macau remix


E o tempo é rei
um fado sustenido
é bemol assim
um suspiro surdo
do bombo escondido
um sambastante conhecido
é uma melodia
é um amigo
que te tenta todo o dia
e depois se deita ao teu lado
toda a noite endiabrado

Xutos remix


Bestas que te esmagam
fonte gelada ao centro a praça
água que te corta
vento que esfrangalha
dormes no passeio
dormes na estrada
as casas desertas
desertas as igrejas
gritas aos céus
e caem as folhas
despem-se as árvores
e os ribeiros correm indiferentes
mudos cunhais silenciosas cantarias
não és o vento
não és as cortinas
rangem os soalhos
à tua passagem
gemem nos ninhos
as palhas secas
almas estanhadas
ressacas de lama
farpas nos dedos
serras nos pulmões
lançam-se os penhascos
em quedas cegas
mergulhos de granito
embates no infinito
afagas a chegada
e esqueces o princípio
lanças te espada
esgasgam-se as poças
no sufoco de tanta solidão

Filipe Elites

rimas em A


a noite é um lago de diferentes profundidades
fundos negros, azuis e verdes nascidos dos laranjais do fim da tarde
são sobrancelhas as copas negras das árvores
os céus olhos que falam com brilhos sódicos da cidade

Madalena Nova

Mediterrâneo



Todas as desgraças do mundo foram à beira do mediterrâneo
todo o sangue escorreu pelas suas pernas
os danados frémitos de dor marcando o compasso
as guerras como os grãos da areia daquela praia imensa
todo o mediterrâneo de azeite escorrendo dos olhos
os templos ecoando o latim subjugado como uma bota
negra esmagando a boca da criança
e as vozes iradas entoando como um hino de justiça
"esmaga, queremos as suas vísceras mornas arrastadas pela terra"
e eles coitadinhos, de olhos piscos sob a ventania do crepúsculo
santos e mártires escondidos na sombra de cada oliveira
latim, latim, latim berra uma cabra a uma cadela assanhada
e das calmas vagas do mar morto ao centro do mundo
como uma arena dum coliseu exala um miasma
um cheiro a merda mas ninguém repara

Brás

Assistimos em delírio ao afogamento lento
de alguma criatura numa poça pouco profunda

Perdas de Altitude


É isto que acontece quando se perdem as leis do hermetismo
quando abandonamos os caminhos da razão e passamos a conviver
com os leões e os outros animais da selva
perdemos da memória os passos do convento agora tomado pela era e pelo vento
os poços transbordam agora de selvagem imundície
e os muros ufanam-se de flores garridas de perfume brejeiro

perdemos até a ordem dos dias
vagueamos até altas horas pelas serranias fantasiando
na voluptuosidade das constelações saboreando as agruras simples
como o sangramento e o frio
caímos sem forças pelos monturos em covas húmidas
deixando-nos sepultar pelo tédio e a fraqueza

os vislumbres relampeados dos salões outrora cruzados
parecem-nos um sonho
e era daí que emanava a poesia
em borbotões uma fonte de sentidos
descritos numa linguagem que só nos perturba se
sobrevem a dor das perfeiçoes perdidas

Sim o meu nome é Cain
Sim o meu nome é Cain

Zé Chove

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...