7.8.12

Exame Social

Quando fui fazer o exame à UFRJ para entrar no mestrado de urbanismo acordei muito cedo. Andava como um morto. É bonito ver o nascer do dia entre os morros. Comi um pão na chapa e um café com leite no boteco do costume.
Tomei o ônibus para o fundão. A universidade fica numa ilha na baía de Guanabara. O percurso é por uma avenida rápida cheia de trânsito, vai atravessando várias favelas e zonas industriais
semi-abandonadas, há água por todo o lado os meandros da baía que entram e saem e braços de rio fedorentos ladeados por frondosos mangais.
ao longe destacam-se entre a neblina as silhuetas dos morros abruptos e favelas por todo o lado.
Ao longo do trajecto temos um vislumbre da extensão e da quantidade de povo desta cidade. afastados do centro continuamos a ver gente aos magotes e comércio de rua, frutas, legumes, botecos, chopperias e casas como cubos de tijolo escalavrados morro abaixo.
o sol crescia e o fedor intensificava-se. Um carro flutuando em cima duma jangada improvisada...
A universidade é uma ilha plana bastante extensa onde espalharam edifícios modernistas todos afastados entre si. As distâncias são de tal forma que existe uma rede de ônibus dentro do campus que não se paga e faz a ligação entre as várias zonas do complexo.
Nas margens da ilha entre as árvores vêm-se as sombras dos barcos dos pescadores locais.
As mesas da univ são as mesmas que serviram nos loucos anos setenta e estão todas chacinadas. No exame tive de falar das desigualdades sociais e da segregação urbana. E da esperança de uma cidade mais equitativa quando forem os jogos olímpicos, só não cantei a Internacional porque disse que tinha o feijão ao lume "força camarada, não se esqueça da farofa!"

oh francesinha

oh francesinha do cabelo amarelo
dos olhos verdes e cara de canário
as tuas ancas largas e o peito espigado
e o teu rosto de alpista salpicado
fazem-me tordo
fazem-me galo
e canto grosso
e vôo torto
ando todo apardalado
cantas entre os varais um breve trinado
como asas os lençóis ao vento
brilham as penugens loiras ao sol
canta o mundo a tua presença
e o engaiolado
nem do chão saio
como um pinto como um gaio
entre as grades piando baixo
mas para minha grande sorte o teu pai
esse grande gavião
caçou-te e tirou-te a liberdade
e fechou-te em silêncio
no meu caixão
bendita tradição
que te trouxe confortavelmente ao meu ninho
e agora com essa cara assustada
a asa curta e o corpo gordinho
eu chamo-te carinhosamente a minha galinha

A busca da música da popular

o morro vestido de tijolo oco oco
louco
caboclo
o cubo de terraço ao sol
o sal na carne em brasa
e a pipa do puto a voar
os pensamentos
do povo
como um ovo
rola pela favela
e lá vai ela
toda popular
com a anca a bambolear
bamboleio bamboleia
uma carona uma boleia
no funk mais americano
uma pintalgada de piano
um suco de maracujá
ou farofa e guaraná
dá dá que o filho do povo pede
dá dá que ele merece
e se o sentimento antes da noite cresce
oh cresce
ela move-se
ela remexe
e nas suas costas bate
o sol, o mar e dedilhar do violão

Rio Moço Desci

rio moço desci das escarpas do inferno saltei os picos e rocei o lombo em rochedos impassíveis
senti o gosto da eternidade nas mós ao longo das levadas

Feira de S. Cristóvão

gente feia gente feia
cruzando os labirintos da feira
gente desfigurada
criaturas sem alma
gritaria
berreiro
uma criança pelo asfalto arrastada
ganância nas mãos vazias
lobos nos estômagos enjaulados
lixos nas bancas em cascata
nuvens de odores de putrefactos
gente feia
gente feia
cruzando os labirintos da feira
carne podre pendurada
licores coloridos de abjecção
tecidos bafientos
fruta bichada
pullovers furados pela traça
tupperwares que o sol deformou
gente feia
nos labirintos da feira
que mercadoria torna mais feia
bolor no pão
enevoado pelo diesel dos geradores
uma velha à venda no talho
um gerente com cara de porco
uma dama retalhada num banco
um senhor caído bêbado no mictório
cheiro de alho podre e vinagre coalhado
e uma chuva ácida corroendo o palco
onde cantam
onde cantam
as alegrias do carnaval de São Cristóvão

3.8.12

Coruja negra clara de lua cheia.
ramos tristes lenta sobre a morte.
Ao longe o mar só, sem a quem
histórias contar entre o vento,
Perdido Velho velho por dentro.
As suas ondas são a asa negra
que a todos nos cobre seus enteados
filhos da tempestade pobres diabos
espremidos contra as rochas da costa
subjugados pela sua imensidão paternal
desde cedo mergulhados no medo
nunca mexer-nos sob os escombros
da madeira podre duma montanha,
De eternos pesos que não existem.

Atoleiro

Desenterrado das areias só conheço
a noite e vejo os fogos na outra margem
do pântano livres da multidão
dos grãos os galhos veneram a luaA água e a lama lambem-se uma à outra
em polvorosos lamentos as raízes
Entumescendo ao crisol dos ventos
gritam os fogos carpindo as árvores
decompostas no atoleiro da noite
A carne envolve o tronco à árvore o sangue
prova a seiva compadecida dos lenhos
sinal da casca e percorre os leitos
desde as raízes identifica os séculos
eleva-se, busca os ventos com os dedos

de pântanos

são reflexo pingando na superfície
do cadavérico lago verde uma pinga
devolvida em bafo de lama e pântano
uma lágrima de pureza transvertida
em massa lodosa vómito castanho e morno
um soluço grosso nas copas das árvores
reverbera na neblina doente que mata
os animais cadáveres movediços
que enriquecem as águas paradas de troféus
risíveis que se pisam e esmagam
como moleirinhas de infantes crianças
perdidas entre as silvas transbordantes
de lama e espinhos cravados nos olhos
da serpente lenta que nos contempla

Afastando o manto da manhã

Afastando o manto da manhã

Os confins pariram-nos em rubi
maçãs dum rosto de rasgo infinito
o brilho do sol abre-se em sorriso
O rio vertido tinto lá ao longe
o cabelo negro sobre o pescoço
Cedo se cresta o esteado vale
às escadas de xisto furioso
O estoirado vinhedo vermelho
é a pele morena que te cobre
cheia de explosões rubras tuas uvas
meu corpo escorre sempre pelos cercados
vagueando em carreiros sem nome

beijo os rácimos-chagas do teu pelo

caminho no alcatrão

Caminho no alcatrão ao longo do muro
de tijolo antigo com vidro de garrafas
agarradas ao betão e imagino
os braços esfacelados as veias

cortadas O sangue secando ao sol
sem alguém que me ampare na morte
Aguardo à frente à sombra da pesada
figueira exausta que apoia os braços
carregados de lampos figos no muro
e sangra dos cotovelos a seiva
branca e viscosa desenhando as gretas

dos tijolos carcomidos em pó
dentro nos podres ocos que se abrem
lentamente em miragem de calor
A existência de erro e limitação
torna tudo mais humano e palpável
eu quero sentir a realidade com as mãos
e que a engenharia não faça coisas
que não se possa abarcar com a vista
do alto duma montanha
quero viver entre o labirinto
de ruas curtas e sinuosas
conhecê-las melhor que o visitante
quero dominar coisas só minhas
só do meu povo só da minha família

2.8.12

Escadas


eram escadas sem fim até onde agora eu estou
entre pátios interiores marfim no seco das infâncias
olhadas inertes lá trás nas escadas da cozinha
que dão para o quintal todo enxáguado de armários
ao final da tarde quando sobes a escadaria de madeira
para tomares o banho antes da janta e interiormente
sobes outros degraus que ninguém vê que hão de
levar-te longe uns degraus de pedra que sobes
de mansinho por entre os ramos da casa de hera
os degraus são os livros da biblioteca bafio range
plangem os degraus porque perdeste a ligeireza
da vara de vime chumbo denso das escadas que
ecoam por entre as chapas metálicas que desaguam
no saguão toda aberta de escadas a noite espumante
tilinta de cristal em cristal fragilmente a escada
em espuma desce alegre de copo em copo de corpo em corpo

31.7.12

Cabo Mondego


Velado


tens de ficar assim velado?
corta os laços do teu véu
deixa-me contemplar amor meu
tuas chagas de sangue martelado

só nos separa este cristal
pressinto o teu cheiro encarnado
sudário de rosas reinando do altar
quero beijar as pétalas do teu lado.

Farol


Soterrado austero farol
envolto nuvens da devassidão
ergues teu rosto luminoso
expelindo voraz o vómito
do mar rouco fendendo
a ansiedade uivante das chuvas
penteia o teu cabelo de sargaço
e atrai para as tuas rochas
dentilhadas de marisco alquebrado
os dorsos sensuais das putas das sereias
e fá-las sangrar todo o Inverno
estou a falar convosco como a uma divindade
que me escuta e protege
e peço-te como uma criança
orgulhosa de seu pai todo poderoso
dá-me esse prazer de vê-las sofrer como cadelas

4 Sonetos


Agraços olhos sobre os lavradios
ensombram antes da noite os vinhedos
afagam seus dedos de morte frios
os infantes frutos imóveis de medo

serpenteia negro o suor pelos regos
em oclusas levadas de silêncio
envenenando a sede de loucas cepas
as filhas de uma estúpida inocência

Esse fogo tocado com o olhar
não esmorece e decepa os sarmentos
com a inércia em queda milenar

Oh cinza não reveles os seus passos
liberte-se a chuva em pensamentos
amargos e chorem os verdes agraços


medicinal, a farmacopeia etérea
guardada na cavidade da rocha
mergulha com soco violento como cai
a noite. carregam sobre a árvore os
batedores fustigam furiosamente os frutos
na lixívia abrasadora dos rastos
inscritos no bronze, moldam as marmóreas margens
à espadeirada. quem vergará os gonzos...
ajoelho-me violentamente sem esperança,
praias e praias vazias varridas do vento
impiedoso. marés violentas de bronze.
sangra o tronco num impulso de graça

o puro orvalho da manhã de damasco


a noite não nos quer dizer nada, adianta
caminho, cruzamos todo o ouro no terreiro
seco. não chega o espaço, o algodão arde
em fúria, cai o metal do desejo em chuva.
a mãe em busca dos filhos levados no rio,
os seixos do rio cegam na transparência,
afogados em pureza, cegam, aquecem
o peito das crianças expostos ao esbanjamento
do sol, a estocada do escultor no peito da vénus
de calcário cega. sob os arbustos a sombra
das silvas, o xisto que enche a bruma ampara a
frondosidade do carvalho, marca a chegada
da noite final da terra lavrada em torrente

de fogo, o fogo que não se consome.

Anos sobre anos de leito em leito
Sem mover o pó que envolve as coisas
Entre regos silenciado rio estreito
Do segundo que toca mas não poisa

Vogam o horizonte os vagos olhos
Divisando desvendá-lo no vento
Mas se ele amaina e seu sopro perde a voz
Voltam costas em busca do momento

E os passos esses passos dão lhe vantagem
Atravessa as casas praças e ruas
Não sucumbe à paração do pensamento

Foge perdido sem cruzar ninguém
quando muito cruzado a temor por pernas nuas
que as águas crescem no caudal violento

a favela


a favela é o maior arquivo de arquitetura popular
do mundo. é um património que deve ser preservado.
é uma composição cubista e por vezes plasticista
 porque a unidade básica é o tijolo e a lage.

Separo a carne como só as cartilagens
numa farta malga de alumínio
O nível do vinho escuridão engarrafada
rubra clepsidra do meu estado
sussurra o esvaziar das horas
estou sempre parado
em estado de meditação artística

Baldios do Brandão


Chaparro do Homem à sombra das sombras do Tempo
amparas as tardes nos teus ramos
impões silêncio às orgulhosas asseiceiras
que se arrastam indomáveis nas planícies
tentei vaguear nestes destroços de paisagem
sondada no húmus do Brandão
Chaparral imenso que escondes o Poço da Partilha
dedilha a cigarra entre uns canaviais
ao longe na Barragem do Vinte e Dois.
Cada talhão deste solo, cada chapadão
largado à selvajaria das estevas
me implora para que ali me enterre
me alimente do que céu dá
me irmane de cada coisa e gaste uma eternidade
contemplando cada folha e cada pedra
todos os humores dos céus e conheça
o ardor e o gelo da terra
Sesmarias terra do inculto e do abandono
onde pastam a solidão e o vento.
Maninho estéril que te levantas infecundo
congregação de baldios solos incultos semeados de ignorância
respiram ao longo dos séculos sem donos que vos dominem
primos das Enxaras e das charnecas avancem sobre vós as estevas
a chupar-vos o sal das rochas brancas estilhaços de sol
lamente-se a cornicabra sedada do chá da alcachofra velha.
retirado entre sesmos escondido dos aceiros
fujo do fogo que corta a eito
a plantar-me no alto de todas as serras

Fagulhas


adormeço embalado na liquefação do tempo
Oh podre tédio quem me dera ter um piano
que soltasse notas ensopadas…

O suor que ramifica nas toalhas e em vão chora sobre a pele
traça a geografia errática da angústia líquida
que alimenta os cancros

o corpo pede clemência e corta a posta
De coração que fica em cima da mesa

o sono seco por onde lavram as memórias

Oh aventura que às vezes
Tão em vão pareces, em que embarco
À busca do que sempre tenho

Ardor Mistico poetico


com a corrosão do limão
infligindo dor nos músculos
e o que faz alguém no meio
de semelhante consideração
poética?
prosseguindo:
angioma que aflora
ardor de prazer que faz ebulir
chicoteio o ar indiferente
se antes havia uma alusão
ao uso de drogas e à dor,
talvez agora possamos vislumbrar
S Paulo fustigando uma ideia...
a vontade maligna sibila
a chuva poluída sobre o rádio
ora aqui a estocada realista
xutopontapiana
faz mais tristes
sobre a mesa três tocadas bananas
três arrasta para aqui a cabala
falhas na parede ajeitadas com bochechos de cimento
cebola avinagrada pelas portas do frigorífico
depois duma sesta esmurrada nos olhos
enfim, parece que alguém está a descrever
tristeza, desconforto e impotência

Milimetros


OH látego do meu remorso
flagelo da minha culpa
mensura do teu amor por mim
és uma pequena régua de 20 cm
para medir o meu corpo
entranhada na carne radiografas
cada vértebra calculas
a intensidade do piscar dos olhos
estás nos milímetros da minha pele

Cairemtodosostonsdazul


Cair em todos os tons de azul
na leveza do ar que não me carrega
Será apenas um segundo
um sonho
do alto dos prédios ruino-me
e o embate faz a
Iluminação de sódio
Dos becos malafamados
sou a luz do que vigila
desvaneço-me com a madrugada
tenho sono

Flutuar em todos os tons de azul
leveza do ar que não me carrega
Será apenas um segundo um sonho
desde o crepúsculo à noite negra
dos altos edifícios me arruino
o embate é a iluminação de sódio
Dos becos malafamados sou luz
desvaneço-me com a madrugada
eu sou o frio que a lua boceja
que entre as nuvens de morcegos vigila

Sol em Esmoriz



E que um dia tudo seja sol
ao som repetitivo e melancólico
do dedilhar de duas ou três
cordas de guitarra
olhava o pão de açúcar e pensava
em todas as derivações sfumatto
neblina, pardo, fantasma, enevoado,
vapor de água, fumo, miasma
eu estava em Esmoriz em 1987 naquele Verão
em que o mar engoliu a praia
no dia seguinte foi um fartote
passear por entre os paus das barracas onde ainda
havia poças de água e muito lixo, pauzinhos e troços de plástico
e beatas de cigarro e algumas alforrecas, encontrei muito dinheiro
nesse dia levava as notas e moedas à minha avó, eu tinha sete ou oito anos ou talvez menos acho que devo ter tido direito a um gelado também encontrei uma ameijoa viva mas foi na costa da caparica também nesse ano e a minha avó comeu-a viva ieerrk nojo
tenho a visão clara dela minha companheira mais amiga de criança tomando banhos de mar gordinha de cócoras com água pelo pescoço e eu de pé também com água pelo pescoço de mãos dadas girávamos dando saltinhos como dois astronautas sem peso.

Tuareg


Como um Tuareg ando em teu decote
entre as dunas quentes de São Martinho
é a mesma carne que no Saara
o mar espelhado nos teus olhos
e a miragem do teu beijo
eu sou o camelo e tu o oásis

Laberíntos Infernaes Remix


um pesadêlo:
Modorras post-prandiais
Reclinadas sobre os corpos
De pálpebras maceradas
Em delírios ambrosianos
Os espíritos fremem
Viandas imperiais, alcachofras
Corno gratinado, puré de ostras
No percurso inverso vertem
Ante o vomitório quem se prostra

vi um torvelinho de paquidermes
em ventania repisando o céu
nuvens elefantinas em manadas
bramindo as árvores com trombas de água

O céu nacarado reprovava as nossas intensões
e chorava impotente

Só em contra-luz…
vislumbro os seus reflexos
na cadência manuseada
dos negativos cinemáticos
de memórias desconexas
stencils com formas de bananas
e travo amargo a sémen pelo quarto
tranco a porta

Saimos em pijama atolados nos mesmos sonhos negros
e as mesmas tentações pornográficas
cá debaixo olhamos:
as trapeiras ao céu imploram com olhos tristes
furtadas nas águas sombrias dos telhados
almas esquecidas de pobres e humilhados
choram de noite o Tejo em desempregados gemidos

filmes a preto no branco:
um frade meu freguês
compra fruta e fio de arame
prefere pagar a pronto
à minha oferta à Madre Igreja
aparece em setembro
com dia e hora marcada
a mesma mercadoria
sempre carne, salmoura
e feijão frade

percorremos juntos as cidades...
Eu à beira da marca amarela do metro e tu
trespassas a turba
em passada curta e hirta
nada te perturba altiva
de olhar que morde
um drapejo que mal te cobre
nos lábios um baton alegre
num sorriso marca d'água
de quem sofre

brincamos com as palavras num café em abertura:
tu:
segue o mestre em soneto vanguardista
com subtil aconchego plasticista
eu:
não tenho exitado perante a vida
pelo contrário têm sido só derrotas

e sonhamos acordados com outras paragens:
Baratas Tropicais
Camisas tropicais
Aquários com néons
Palmeiras
Gel no cabelo
Tez morena
Baratas junto dos boeiros
Iluminados por lampiões
Através da humidade tropical
As baratas
O cheiro intenso
O clichè dos carros fora de moda
Frutas garridas
Salvas de prata
Cavam na areia das praias em busca do império
Alguns charutos
Olhares vagos
As baratas tropicais
Cais barcos atracados
Pessoas baixas de estatura
Bebidas fortes
Ilhas baratas perfumes exóticos
Alamedas enquadradas por palmeiras
Sem história
Ansiãos
Tédio modorra
Baratas

Andamos sempre pelas mesmas ruas
a cada passo sonhando merdas diferentes
como um grande corredor comprido
com uma sequência de tapetes diferentes
que despertam fantasmas novos de
cada vez que os pisamos

Construímos sinais e damos os braços uns aos outros no meio
desta fumaça infecta para que não caiam nos mesmos buracos que nós

Quem construirá cúbicas colmeias
No baldio onde explode constante
Bolas pedras gritos melopeias
Reboliço do jardim de infância

Uma dama em coma na avenida de roma
Ambulância lancinante noite de Natal
Sigo seguro da minha insegurança
Toda a vida em viva vigilância

Nariz e boca sufocante de sangue
O alarme vermelho o garrido pânico
Nas orelhas os zumbidos das abelhas

A vertigem em queda da criança
O rapaz de rosto sem réstia d’ânimo
O homem maduro com duro medo

tu:Aquele abraço
eu:Aquele também para ti muito obrigado adeus

Mais Meditação Mística mmm

Entro o abismo branco e o abismo vermelho
Caminho na helicoidal fímbria que os mistura
Desisto de andar resplandeço de tontura
O silêncio de ouro encharca-me de medo

És rosada e tens a úngula fendida
mergulho a fundo na tua ferida

são túneis percorrendo túneis
a si própria se engole a víbora
sonhei através do grande vidro

Chicoteeia
Os seus frutos apodrecem agora no chão
Gritei-lhe
Nada escondas do sol
Então só me via o halo
Excitava a parte gorda dos braços vergastados
Antes de afogá-la

e sobre as duas como manta desce a noite
respiram máquina e árvore lado a lado
brisa balsâmica velada de divindade
da plenitude do aquário de mil sóis

é horizontal o crawl voraz da máquina
o barro cego funcional plasticidade
moldando ao labirinto do engenho as paredes

Corpo e alma carne e espírito geme a árvore
Esticada entre polos de verticalidade
Co-princípios que lhe garantem a unidade

e dentro da nossa parelha foram terminando os temas
já só murmurávamos monosilabicamente tentando achar nexos
no que parecia demasiado simples:

eu:Só não vê quem não quer
tu:Quem não crê não é bom
eu:Não é bom nem mau
tu:Se o sol se põem atrás do mar
eu:Eu estou atrás de ti

tu:Só no mar o sol se põem
eu:Pra quem tá ao pé do mar
tu:Mas se tás ao pé do rio
eu:O sol no rio se irá deitar?
tu:Só se o sol fosse um navio

tu:E o rio um céu sem sol
eu:É que sol há um só
tu:Nem no céu voga o navio
eu:Mas o rio faz o mar
tu:E meu navio foge do sol

e ela partiu


O meu pai não é teu pai
O teu pai não é meu pai

Oh a luz de tê-la por mãe

Só a dá a quem quer
A luz
Só a dá a quem quer
Mas e quem não a tem
Quem é que quer
O que não tem se não viu
O que se lhe dá
Quem dá o que não tem
Quem vê o que não tem
Doi te mais a dor se estás só
Sim ou não
E mais não diz
Vês o pó que cai do céu
Cai de pé sob esta mão que vês
E dá –lhe tom de pó
Um a um cai grão a grão
Sob a mão de pé

Pão e sol
E ar e luz
E mais não quer
Vai mais o cão
Sem pai nem mãe
Com fé em si
Nem pau nem croa
Ao sol ou sob a lua
Lá vai lá vai o zé
Com pó nos pés

Sol e sal e cal
E sob os pés é pó mais pó
Vi a luz sem fim
Vir sobre mim
Sim ou não e mais
Não quer o Deus dos Céus
Sou réu do mar
Pus as mão nas suas mãos
A vi vir a mim
Um som que vem da sé

Dou um nó não dou

e eu garantia-te como um paladino embeiçado:
Afãs – onde se ajuntam os abutres
Lutas corpo a corpo – é no coração
Passavas e escapou-se o panfleto ao pára-brisas

Já em criança sustinha
A respiração com medo
Das doenças ao passar
Pelo talho entre as carnes
Onde cospem as varejeiras
mas se tua carne passa inspiro fundo
na ânsia de te padecer

e os pensamentos eram entrecortados pelos gritos duma besta
uns apartamentos acima:
Estuporadas meias têm um elástico
Tão forte que no final
Do dia parece que andei de grilhões
Dos sulcos na barriga das pernas
E com os pés inchados

e a tv sibilava:
queremos ser bons
almejamos a excelência
que reparem no nosso esforço
não queremos
transparecer naturalidade
e vida airosa
vivemos à tabela
sem desperdiçar um minuto
murchamos nossas potências
em favor da força do grupo
mas à noite libertamos
de novos as bestas
:manifesto zappatista:

Odisseia Entre o Seixal e Chelas



E ao longe à sombra das chaminés
da acearia soluçante
as crianças de pés no Coina de águas tóxicas e coloridas
vislumbram:
Chelas que te esfumas
entre baldios com teus prédios anónimos
toda cruzada de largas estradas
mesclada de tantas raças
tanta ignorância em tuas avenidas pardas
Oh cidade cinemática sem horizontes
onde estão tuas quintas
quem rebentou teus antigos muros
abandonaram-te os eremitas
secaram tuas árvores de fruta
Sobrou escrito no tronco da decrépita nogueira:

"Todos os benefícios somados segundo as respectivas intensidades subtraídos de todos os malefícios deixaram-me de bolsos vazios de ponta de orgulho ou recordação prazerosa que me alegrasse. Passei a degustar com felicidade as maiores provações e angústias e o meu peito encheu-se de melancolia e suspiros. Passei a vaguear entre os baldios conversando com os anjos do Senhor e praticando a renúncia. Alimentava-me de raízes e bebia dos lagos poluídos nas redondezas da grande cidade"

Vagueando ao longo da marginal ferrugenta matuto:

acordas no carro, através do volante o sol nasce
em teus olhos e carregas no acelerador em direcção
ao precipício, (prepúcio arregaçado carícias?)
é tão fácil ser estúpido deixar a última gota no pano
no vinho benvindo, (infindo, enfado?)
fotografo as filhas do vizinho
(um suspiro?)
um copo de água e bochecho, talvez puxe um escarro
caio pelo precipício e principio um novo percurso
regressivo, tropeço em todos os escolhos (do meu futuro?)
e engulo todos os momentos do meu passado que não cheguei
a viver e afogo-me num presente que não deveria (ter acabado?)


Tem que ser um bocado cabrão. Algo que desperte. Uns clips pornográficos.
Uma provocação dos instalados. Um safanão na filha do colega.
Uma javardice com as crenças dos pacíficos. Uma granada deitada ao lago dos patos.
Ou diria, ou melhor falaria, ou passaria eu por um outro sistema de ver a realidade.
Encarno? Primeiro descarno. Dobro. Rasgo. E fodo.
E alivío oh se alivío!
Que o cadáver já boia no rio. Tingindo as margens dos humores de putrefação.
Tingindo as margens onde as pobres mulheres entre os canaviais lavam as camisas dos maridos…
e eu canto-lhes de mansinho:

dá-me as chaves deixa que te aparte desse momento
dá-me as chaves do teu silêncio
impertinente almejo o teu segredo
dá-me as chaves do teu apartamento

Recomendação:
Para uma renovação do electro pop em Portugal

Integrando valências do Grime, Dub acente nos valoress clássicos do Dance-hall e derivantes do Disco sobretudo a versão Italo.
Cantão alemão / Italiano

tipo:
Uh nhaf nhaf zu
Uh nhaf nhaf zu
Irg lhaf lhaf ver
Irg lhaf lhaf smer
I never break mirrors

Som som som intenso tom
Rum rum rum fill the room
Tum tum tum bato coraçum
Como com cum a tensum


ANAGRAMA
ANAGRAMAS
ANAGRAMASME
ANAGRAMASMEL
ANAGRAMASMELANCIA
ANAGRAMASMELANDCIANETO

Ale e Ele e Ela

Ele bate ela sai
Ele corre ela cai
Ele toca ela vai
Ele coça ela ai...

Ele chora ela ri
Ele troça ela a ti
Ele droga ela sim
Ele moca ela ri

Ele choca ela em si
Ele choça ela aqui
Ele goza ela ali
Ele louva ela alá
Ele implora ela dá

Elektro choque

Bizarre pizarro
Sonhos matam
Batatas matam
Ruas matam
Famílias matam
O dinheiro mata
Drogas matam
Alcool mata
A pátria mata
Escola mata
Tou ma cagar
Vai-ta matar
Ciganos matam
Preguiças matam
Sujar matas mata
Comer demais mata
Tudo demais mata
Sonhar mata
Tou ma cagar
Vai-te matar
Não te me esqueças.
Today i didn’t take the bus
Indecisions and perplexion
Froze my steps people
Door and I just do nothing

Just Fucking Tell Me What To Do

Nemátodos
Richtig Oder Falsch

Bla bla bla da cla mitá
Faq faq rag ma grasca la bita
Ssa ssa sol ep tadrá clash crack mitash

Fra fra bra ma la drap
Papcrag da mast xa la fae ah fae ah
Umblap catrá bap ba la bap bap bap

Ras ras ras ars ras ras
Ras ras ras rsas ras rasgás palavras
Gásgás gás gás gásgás gastas palavras
Pá áp pá pápápá pá pá para com isso pá pá
Just fucking tell me what to do.

Som som som intenso tom
Rum rum rum fill the room
Tum tum tum bato coraçum
Como com cum a tensum

Horen Antworten
Arbeit Lehrerer schue ich heisse
Abendessen früshtucke
Stunde es regnet tut
Mir leide lielings sind
Zeitgeist

Einkaufen mit dem rad
Ge+mach+t
Perfekt
Sehr Gut

Fernsehen
Matharbeit
Eine stunde – durante uma hora
Ich heiß Fábio. Ich bin 28 jahre alt.
Ich habe eine Hund.
Meine eltern heißen Fávio und Fábia

Losango amoroso
Um estúdio em malta
uma palhoça em Capri
9400 Merdapíxeis

Passadiço não pissadaço
Passadiço não pissadaço
Passadiço não pissadaço
Passadiço não pissadaço

Buncker em neuchatel
I’ll keep dancing on my own
I’m not the guy your taking home
I lost my faith in science
So I put my faith in me
Make it out on the train
Got this little girl singing
On repeat in my head

falência do mundo da música
fuga ao fisco
prisão-humilhação

Sou o ex-presidiário
Liberto à sombra do muro
Num escaldante dia de Junho
Trouxa vazia ao ombro
O que é que eu faço?
Já tou às portas da cidade
Algo me diz que me afaste
E o corpo que esse se cale
O que á que eu faço
As estradas refletidas
Nas lentes poeirentas
E as canções das cigarras
Secas na garganta
O que é que se faz?
chuto os contentores de lixo

Entalado entre dois camiões contemplo o escrapanoso baldio à minha frente onde dançam entre os arbustos secos e sem nome os sacos de plásticos papéis de uma feira recente. Ali fico vigiando num torpor a miragem do calor sobre o asfalto e a terra quente tudo ondula ligeiramente e todos os limites das coisas parecem ondulados de calor, os arbustos, os postes ferrugentos, os vultos ao longe carregados com sacos de compras. e nesse transe memorou:

Medrou nele a veia poética. No dia em que teve de escrever um requerimento ao reitor do seu estabelecimento de ensino a fim de que lhe reavaliassem um exame, aí, foi o flagelo da lógica que despontou. Na manhã seguinte tendo sido acordado pelo avô jazendo ébrio ensopado em vómito à porta do elevador do prédio esboçou uma máscara de sofrimento, aí, despontou dionísio.

relembrou amores passados:
A besta bonacheirona à segunda tentativa logrou conquistar a beldade envergonhada da sua condição social. A submissa. Aquela com que vários homens sonharam e preteriram por não trazer vantagens financeiras. É uma bela moça. O bonacheirão já fora casado com uma gordita que ao sentir-se instalada começou a expandir-se dentro das licras e a descurar a frondosa penungem que então lhe começou a vicejar na papada do pescoço tendo numa fase final encapelado em forte barba.

Pelo carinho que a viu empregar
Na ajuda da criança desconhecida
Que resolvia os deveres no ondear do autocarro
Instintivamente compreendeu
Que a rapariga não poderia ter filhos
E se entregava com todas as potências

Fervilhou no rapaz o amor de compaixão
E deixou arrastar-se pelo olhar
Dom da infertilidade mais fértil.

E não mais podia viver sem ela
Querida acordei em agonia de febre eram 3 e 33 de encharcado suor
Dei por mim sem ti sem teu robe de cetim acetinado e tua pele pelos 50 soprada
E caía caía dum balão sem ti caía de roupão vexado pela população
Que gozava com meu brasonado roupão de turquesa e pelas ligas das meias
E caía e caía e na queda envolvido pela espiral das nossas vidas
Quanto interesse mútuo quanto conforto o aroma do meu cachimbo
Tingia a paisagem de câncro amortalhado no teu cabelo negro recém pintado

era a musa dos seus poemas
Aparência da aparente suculência do fruto
Esfuma-se ao toque polvorento
Fruto esboroa-se a imagem da grossa maçã
Encarquilha-se em crosta velha

o amor gera tensão, tensão que explode
Virou-se para trás e esmurrou o puto. Pumba, pumba, pumba. Sangue no vidro e silêncio – sinais exteriores de mudança no semblante ranhoso. Por o dentro o consolo do enquadramento pessoal num papel social de encarregado de educação como justificante. E para sublinhar o papel formativo prenhe de razão volta-se, o braço direito agarra a cabeceira do banco, o rosto sereno e assesta-lhe um soco na testa. A paz interior sussurra-lhe “a vida não está para brincadeiras”.

Como é que um olhar pode
Transparecer tanta esperteza
Concomitante com tanta lerdice
Pois lá vai ela abanando a cauda
autocarro fora mascando o resto
do seu cérebro. Uma coisa é verdadeira
o sorriso era falso.

chegava entretanto a noite e as pernas queriam andar
o corpo queria algo indefinido
acendem-se as luzes nas ruas desertas
e o bafo guardo nas entranhas da terra liberta-se
os grilos e cigarras gritam com força
ao longe ruge esparsamente o arranque dum autocarro
mas as ruas estão desertas
acendem-se as luzes capturando outras formas de vida

os pensamentos vão caindo com a cadência dos passos
como uma oração ou um diálogo que se tem com as coisas
alimentado pela visão e pelo relentim da alma

Um som estranho deve soar primeiro
Uma baforada de incerteza
Que desperte a curiosidade
Um ronco vindo de longe
Aveludado e ancestral
que hipnotize rasgando as planícies da memória
e desperte a vontade de “dançar”
dançar enquanto acto essencial
de expressão dum sentimento
que as palavras não saibam dizer
que o cérebro não saiba formular mas
que um frémito irreprimível da vontade
se derrame em calda de movimento interior.

E vai caindo a noite
tudo cai nos extremos
tudo provoca sensações extremas
porque à noite ou se tem muita luz, um brilho intenso
ou se vive na escuridão

E como um sino longínquo chegam-me à lembrança o Eleanor Rigby,
rituais de ablussão e imagens de salmões sorridentes
saltando um rio qualquer sem ursos que os abocanhem

"Através da cidade esférica
na sedosa limousine
és o fulgor na bracelete metálica
no cetim indiferente nos lábios da lepra

és o balançar da city desperta
és o balançar da desgraça
sem sexo sem cheiro sem identidade
glamour inebriado um miasma
uma convulsão a morte sem dignidade
um perfume despedido pelas ruas da cidade"

"Carinhosamente ou meticulosamente compões o alinhamento e a côr perfeita a dar às frases de forma a não magoar ninguém e a todos convencer. Poderemos viver com menos depois de nos embrenharmos na fartura? E uma vez sentidas todas as costelas do torso terás empenho suficiente para suportar a engorda?"

De peito cheio percorro a alameda. O queixo ligeiramente levantado, os ombros gingãos e a leveza de espírito. Tão cheio e tão leve... escorrego na relva húmida. Um segundo; a mão que sai em defesa aparasse num cagalhão com aparência de salsicha e consistência de diospiro. O adónis perde a parra. Fechem as portas do museu.

oh cidade cidade
quem fala assim são os teus filhos-dejetos ajatos
Na segunda sessão profetizou o início da idade do ócio. Como estado livre e alegremente procurado. Com o advento do Progresso Automatizado o homem deixará de pensar no futuro absolutamente confiado de que o melhor possível lhe será dado pela Máquina. A Máquina não é racional, a Máquina não é passional. A Máquina é Estatítica. No número depositámos a nossa confiança com carácter de Fé. Seremos embalados porque não haverá Injustiça...

caminho pelos becos e ruelas sem saída para onde deitam os halogênios das cozinhas...

Branco-halogénio
restos. a laranja violentada
sobre o mármore da cozinha.
o sumo reprimido com pudor
se aflora aos citrinos lábios.
A pele é derramado leite
apodrecendo sobre a bancada fria
o corpo inerte como farinha
não leveda
esfriam-se as cores nos azulejos
sem reflexo

revelações

reverbera nos milénios
atinge-nos a todos por igual
dispersos por filmes rezamos
que não se enrodilhe a fita

ecoam as vozes em salas
insonorizadas nunca sentiste
girarem-te as voltas
liberta solta não deixes que parta

sustém a dança abranda
se tensa - é só escuridão
é só escuridão - a agulha é
aguilhão amansa segura
nas pontas

cinemática teia de veludo
perdida nas cabines da vida
revela distorce corta e seca

e a noite continua fresca cheia de começo cheia mistério
e a melancolia embebe-nos desde as pálpebras
dos olhos até à franja das calças

e

Quando misturo
Sentimentos de culpa
Com o pouco sono
Traço com mais tristeza
O desenho do desalento
E de estupidez inocente
Dos rostos do outro lado
Da estrada junto ao semáforo

Contemplo em contra-picado
Os tectos estucados
Dos palacetes vagamente moçárabes
Das avenidas quando volto dalgum trabalho
Acendem-se candeeiros aos centos
Acolhedores de memórias
De vidas quase sempre
Com vias pouco
Definidas

Chelas que me viste vaguear nas tuas avenidas por onde o Tejo sopra

Bem me fica memorar-te Chelas
Como os amantes que ao perdê-las
Suas amantes desejam vê-las
Em mil reflexos de mil janelas

Pouco resta no saco
é infindo o asfalto
vou enfim passo a passo
Pelas estradas de chelas
sem ver as estrelas

Pouco me resta no Saco


Pouco resta no saco
é infindo o asfalto
vou enfim passo a passo

pedindo aos deuses do asfalto
lampiões ao alto que me guardem
de rebentar com o carro
ser preso, ter problemas de crédito
ou outros perigos da vida

Construímos um épico dia a dia entre a cama o sofá
o asfalto e uma cadeira recostável no trabalho
decerto alguns deuses nos olham lá do alto
e aplainam nosso caminho, são deuses de terno
com seus queridos preferidos enlevados

não é condição sinequanon de sucesso
mas pode evitar alguns amargos de boca
prefiro por orgulho recusar essa mãozinha
como um espartano orgulhoso que se recusa
a participar nos teatrinhos do oráculo

Nas Montanhas


As montanhas vão galgando todo o espaço que a vista alcança. Tingidas de uma neblina que resplandece com os raios solares do final tarde. De memória não sei precisar se o seu tom era cinzento, rosado ou talvez violeta e perto do céu esverdeado azulado. Os montes são docemente arredondados como hematomas roxos na cabeça duma criança. No caminho as aflorações xistosas surgem como os despojos de tesouros abandonados à pressa, com os seus laivos doirados de óxidos ferrosos e a riqueza das formas. Os tojos envolvem estes retábulos como aconchegos de penas verdes frondosas. Não saberia precisar o que mais entusiasma se a segurança das formas laminadas pelas intempéries milenares se a loucura das cores vermelho sangue de boi, laranja, verdes, pretos profundos matizados os tons pelo vinagre ácido e corrosivo do óxido. Dentro das montanhas não existe manhã, tarde ou noite somente desregulos de calor superficiais.
Por ali, falo-vos da Aldeia da Pena, andava uma pastora controlando as suas cabras estrada acima estrada abaixo num automóvel vermelho de pintura coçada. Almoçava na beira da estrada com as pernas fora do carro meditando dentro do tupperware.

Manhã Tarde Noite


Manhã

Brisas de loiro damasco
Fruta descarnada que beijo
envolvido em vapor do duche perlado
As brisas que roubam as laranjeiras
escorrem pela sua pele

Espreguiça-te manhã
Nas poças do alpendre
Bocejem abelhas
pelo rosado horizonte

O feno verga-se ao passar do dia
O vento chora nas lassas cordas da roupa
raparigas de sorrisos polifónicas
lembram-me que existe mais mundo
além deste quarto além deste sono

Pela imperfeição perfeita da natureza
Deliro na vertigem de se será esta a mulher
mais perfumada de descanso e paz de alma

Na lentidão das manhãs suspendo a vida
nas contas desfiadas de um sonho


Tarde

No chuvoso lagedo
reflexo do céu de luto
assisto às primaveras floridas de sardinheiras
No parapeito e os lençóis lavados
pandos de tanto branco
são velas que partem destas tardes em Benfica

A selvajaria do vento frio avança
e trota no espaço o trovão
através da cidade esférica
na sedosa limousine
és o fulgor na bracelete metálica
no cetim indiferente nos lábios da lepra
tarde medonha no shopping
que só rima com Domingo

impedindo que o vigor se dissolva na sequiosa terra
uma convulsão de morte sem dignidade
um perfume despedido pelas ruas da cidade
Uma podridão que ferve nos vales
vai tingindo de podre as margens do céu



Noite

nasce nos ensombrados socalcos por decrépitas latadas
e escorre nas grossas raízes sedentas das águas do rio
altaneiros meandros dos rios sempre descansam os corpos
Perde-se o coração  sempre nos redemoinhos dos rios bravos
por isso entre correntes e engrenagens vivemos

Enquanto acreditarmos no infinito
alguns rios serão tidos como insondáveis
das águas se evapora todo o mal
que da vontade em frémitos irreprimíveis
se derramem as caldas do movimento interior
e fujamos para casa

Revela-se o navio.
Libertas por fim da agonia dos cabos
respirem com um silvo as velas asmáticas
A noite é o rio e ansiamos mergulhar as quilhas no infinito


A parede calcária ressequida descansando até ao rio
tingido da calda de óxido milenar paredão que desenhas o Tejo
beijando infinitamente a superfície calma da água
nossos corpos desenhavam-se angulosos mais escuros que a sombra
“Oh margens de penumbra perpétua” já cantava o poeta
apodrecidos de negros limos cristalizamos entre os armazéns
engolidos somos todos a mesma noite

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...